Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado
Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razĂŁo comigo usastes?
Quem foi, por quem tĂŁo presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?Trocastes-me um descanso em um cuidado
tĂŁo duro, tĂŁo cruel, qual m’ordenastes;
a fĂ©, que tĂnheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercĂŞ,
amor com desamor me revolveu.Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo Ă©
que pague com chorar o que perdeu.
Sonetos sobre Desamor de LuĂs de Camões
4 resultadosSempre, Cruel Senhora, Receei
Sempre, cruel Senhora, receei,
medindo vossa grã desconfiança,
que desse em desamor vossa tardança,
e que me perdesse eu, pois vos amei.Perca-se, enfim, já tudo o que esperei,
pois noutro amor já tendes esperança.
Tão patente será vossa mudança,
quanto eu encobri sempre o que vos dei.Dei-vos a alma, a vida e o sentido;
de tudo o que em mim há vos fiz s
enhora. Prometeis e negais o mesmo Amor.Agora tal estou que, de perdido,
nĂŁo sei por onde vou, mas algĂĽ’hora
vos dará tal lembrança grande dor.
Que Poderei Do Mundo Já Querer
Que poderei do mundo já querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
nĂŁo vi senĂŁo `desgosto e desamor,
e morte, enfim, que mais nĂŁo pode ser!Pois vida me nĂŁo farta de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
eu a verei; que tudo posso ver.A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou:
parece que para isto sĂł nasci!
Conversação Doméstica Afeiçoa
Conversação doméstica afeiçoa,
ora em forma de boa e sĂŁ vontade,
ora de ĂĽa amorosa piedade,
sem olhar qualidade de pessoa.Se despois, porventura, vos magoa
com desamor e pouca lealdade,
logo vos faz mentira da verdade
o brando Amor, que tudo em si perdoa.NĂŁo sĂŁo isto que falo conjecturas,
que o pensamento julga na aparĂŞncia,
por fazer delicadas escrituras.Metido tenho a mĂŁo na consciĂŞncia,
e nĂŁo falo senĂŁo verdades puras
que me ensinou a viva experiĂŞncia.