Sonetos sobre Deserto

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Sonetos de deserto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Espera

Teus minutos são estalactites
agulhas finas de cal e água
setas refiladas de um relógio
na areia do deserto clepsidra.

Caroços de fruto apodrecido
para uma nova semeadura
em colheita sem nenhum estorvo
anunciando o pródigo regresso.

Que tu venhas sem a matemática
sem a tabuada fria das horas
rachar minha parede de pedra.

Que tu venhas sedutora chama
pluma de pássara renascida
vinda com teu fogo e não com cinzas.

Paisagem

Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim da árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.

Nenhuma ave sequer, sobre a macia alfombra,
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas a dentro entrando, a noite desce, desce…
E espalham-se no céu camandulas de estrelas…

Imagens Que Passais Pela Retina

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
– O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos…

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vãos.

Acima De Tudo

Da gota d’água de um carinho agreste
Geram-se os oceanos da Bondade.
O coração que é livre e bom reveste
Tudo d’encanto e simples majestade.

Ascender para a Luz é ser celeste,
Novos astros sentir na imensidade
Da alma e ficar nessa inconsútil veste
Da divina e serena claridade.

O que é consolador e o que é supremo
Cada alma encontra no caminho extremo,
Quando atinge às estrelas da pureza.

É apenas trazer o Ser liberto
De tudo e transformar cada deserto
Num sonho virginal da Natureza!

Luiz Gama

A Raul Pompéia

Tantos triunfos te contando os dias,
Iam-te os dias descontando e os anos,
Quando bramavas, quando combatias
Contra os bárbaros, contra os desumanos;

Quando a alma brava e procelosa abrias
Invergável ao pulso dos tiranos,
E ígnea, como os desertos africanos
Dilacerados pelas ventanias…

Contra o inimigo atroz rompeste em guerra,
Grilhões a rebentar por toda a parte,
Por toda a parte a escancarar masmorras.

Morreste!… Embalde, Escravidão! Por terra
Rolou… Morreu por não poder matar-te!
Também não tarda muito que tu morras!

Perdi-me Dentro em Mim

Perdi-me dentro em mim, como em deserto,
Minha alma está metida em labirinto,
Contino contradigo o que consinto,
Cem mil discursos faço, em nada acerto.

Vejo seguro o dano, o bem incerto;
Comigo porfiando me desminto,
O que mais atormenta, menos sinto,
O que me foge, quando está mais certo.

E se as asas levanta o pensamento
Àquela parte, onde está escondida
A causa deste vario movimento,

Transforma-se por não ser conhecida,
Porque quer a pesar do sofrimento
Pôr as armas da morte em mão da vida.

Nos Teus Gestos

Nos teus gestos há animais em liberdade
e o brilho doce que só têm as cerejas.
É neles que adormeço, e dos teus dedos
retiro a luz azul dos arquipélagos.

Os teus gestos são letras, sílabas, poemas.
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

São os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silêncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo.

Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Soneto Do Breve Momento

Plumas de ninhos em teus seios; urnas
De rubras flores em teu ventre; flores
Por todo corpo teu, terso das dores
De primaveras loucas e noturnas.

Pântanos vegetais em tuas pernas
A fremir de serpentes e de saúrios
Itinerantes pelos multivários
Rios de águas estáticas e eternas.

Feras bramindo nas estepes frias
De tuas brancas nádegas vazias
Como um deserto transmudado em neve.

E em meio a essa inumana fauna e flora
Eu, nu e só, a ouvir o Homem que chora
A vida e a morte no momento breve.

Soneto XXXXV

Ecos de minhas glórias, que ficastes
Nos vales, onde foram sepultadas,
Pois morreram sem tempo malogradas,
Porque com elas não vos sepultastes?

Se, como a brados de Leão, cuidastes
Que poderiam ser ressuscitadas,
São vozes essas no deserto dadas
Que a conjunção dos dias já passastes.

E se ficastes para me ajudardes
A renovar meu sentimento esquivo,
Não desacrediteis minhas memórias,

Que se c’os Ecos meus vos encontrardes,
Achareis, que servis mais para um vivo,
E que eles servem sós a mortas glórias.