Sonetos sobre Destino de Augusto dos Anjos

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Sonetos de destino de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

O Lázaro Da Pátria

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de Ăşlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tĂłrax a pressĂŁo medonha
Do bruto embate férreo das tenazes,

Mostra aos montes e aos rĂ­gidos rochedos
A hedionda elefantíasis dos dedos…
Há um cansaço no Cosmos… Anoitece,

Riem as meretrizes no Casino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

Ave Dolorosa

Ave perdida para sempre – crença
Perdida – segue a trilha que te traça
O Destino, ave negra da Desgraça,
Gêmea da Mágoa e núncia da Descrença!

Dos sonhos meus na Catedral imensa
Que nunca pouses. Lá, na névoa baça
Onde o teu vulto lúrido esvoaça,
Seja-te a vida uma agonia intensa!

Vives de crenças mortas e te nutres,
Empenhada na sanha dos abutres,
Num desespero rábido, assassino…

E hás de tombar um dia em mágoas lentas,
Negrejadas das asas lutulentas
Que te emprestar o corvo do Destino!

Asa De Corvo

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa própria casa…

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto Ă  brasa,
Como os Goncourts, como os irmĂŁos siameses!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indĂşstria humana faz o pano preto
Que as famílias de luto martiriza…

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte – a costureira funerária –
Cose para o homem a Ăşltima camisa!

Alucinação À Beira-Mar

Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telĂşrico recorte,
Na diuturna discĂłrdia, a equĂłrea coorte
Atordoadoramente ribombava!

Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!… O vento estava forte
E aquela matemática da Morte
Com os seus nĂşmeros negros me assombrava!

Mas a alga usufructuária dos oceanos
E os malacopterĂ­gios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,

No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas Ă  Morte, assim como eu!

Insânia De Um Simples

Em cismas patolĂłgicas insanas,
É-me grato adstringir-me, na hierarquia
Das formas vivas, Ă  categoria
Das organizações liliputianas;

Ser semelhante aos zoĂłfitos e Ă s lianas,
Ter o destino de uma larva fria,
Deixar enfim na cloaca mais sombria
Este feixe de células humanas!

E enquanto arremedando Eolo iracundo,
Na orgia heliogabálica do mundo,
Ganem todos os vĂ­cios de uma vez,

Apraz-me, adstricto ao triângulo mesquinho
De um delta humilde, apodrecer sozinho
No silĂŞncio de minha pequenez!

Minha Finalidade

TurbilhĂŁo teleolĂłgico incoercĂ­vel,
Que força alguma inibitória acalma,
Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma
Dos que amam apreender o InapreensĂ­vel!

Predeterminação imprescriptível
Oriunda da infra-astral Substância calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de preferĂŞncia o HorrĂ­vel!

Na canonização emocionante,
Da dor humana, sou maior que Dante,
– A águia dos latifúndios florentinos!

Sistematizo, soluçando, o Inferno…
E trago em mim, num sincronismo eterno
A fĂłrmula de todos os destinos!

Vox Victiæ

Morto! ConsciĂŞncia quieta haja o assassino
Que me acabou, dando-me ao corpo vĂŁo
Esta volĂşpia de ficar no chĂŁo
Fruindo na tabidez sabor divino!

Espiando o meu cadáver resupino,
No mar da humana proliferação,
outras cabeças aparecerão
Para compartilhar do meu destino!

Na festa genetlĂ­aca do Nada,
Abraço-me com a terra atormentada
Em contubérnio convulsionador …

E ai! Como Ă© boa esta volĂşpia obscura
Que une os ossos cansados da criatura
Ao corpo ubiqüitário do Criador!

Pecadora

Tinha no olhar cetĂ­neo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.

Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.

No entanto, esta mulher de grĂŁ beleza,
Moldada pela mĂŁo da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,

Do destino fatal, presa, morria
Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!