Ă€ Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mĂŁo que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
Ă€ tua espera…quebra-me o encanto!
Sonetos sobre Destino de Florbela Espanca
7 resultadosNeurastenia
Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estĂŁo nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…Chuva…tenho tristeza! Mas porquĂŞ?!
Vento…tenho saudades! Mas de quĂŞ?!
Ă“ neve que destino triste o nosso!Ă“ chuva! Ă“ vento! Ă“ neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu nĂŁo posso !!…
Voz Que Se Cala
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que Ă© Infinito e pequenino!Asa que nos protege a todos nĂłs!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mĂsero Destino!…
Sobre A Neve
Sobre mim, teu desdém pesado jaz
Como um manto de neve…Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!Coroavas-me inda pouco de lilás
E de rosas silvestres…quando eu era
Aquela que o destino prometera
Aos teus rĂştilos sonhos de rapaz!Dos beijos que me deste nĂŁo te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas…
Folhas de Outono e correria louca…Mas inda um dia, em mim, Ă©brio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!
Em Busca do Amor
O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, Ă chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu … olhou … e riu …Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados …
E eu paro a murmurar: “NinguĂ©m o viu! …”
Tarde no Mar
A tarde Ă© de oiro rĂştilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mĂŁos sangrentas de assassino!Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretĂ©m a desfolhar…E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mĂŁos morenas, milagrosas,
SĂŁo as asas do sol, agonizantes…
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida nĂŁo tem norte,
Sou a irmĂŁ do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…Sombra de nĂ©voa tĂ©nue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…Sou aquela que passa e ninguĂ©m vĂŞ…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquĂŞ…Sou talvez a visĂŁo que AlguĂ©m sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!