Canto Efêmero
Feliz no mundo eu só!… Ninguém mais é feliz!
Ninguém mais é feliz!… Eu só, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!… Quanta coisa! Quem diz,
– quem poderia crer que eu merecesse tanto!Esplendor! a paisagem mudou por encanto!
No negro da minha alma há rabiscos de giz
traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
-“Feliz no mundo, eu só!… Ninguém mais é feliz!”Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pó
e a minha alma, a beleza das coisas sublima!Enfim o teu amor!… E o teu amor primeiro!
Meu Deus! eu sou feliz!… Feliz no mundo eu só!
Ninguém mais é feliz, ninguém!… no mundo inteiro!
Sonetos sobre Deus
215 resultadosA Casa Da Rua Abílio
A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidadeDeixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados à voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
Há Um Poeta Em Mim Que Deus Me Disse
Há um poeta em mim que Deus me disse…
A Primavera esquece nos barrancos
As grinaldas que trouxe dos arrancos
Da sua efêmera e espectral ledice…Pelo prado orvalhado a meninice
Faz soar a alegria os seus tamancos…
Pobre de anseios teu ficar nos bancos
Olhando a hora como quem sorrisse…Florir do dia a capitéis de Luz…
Violinos do silêncio enternecidos…
Tédio onde o só ter tédio nos seduz…Minha alma beija o quadro que pintou…
Sento-me ao pé dos séculos perdidos
E cismo o seu perfil de inércia e vôo…
O Todo Sem A Parte não É Todo
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte fez todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.Em todo o sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte;
E feito em partes todo, em toda a parte
Em qualquer parte sempre fica todo.O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.Não se sabendo parte deste todo
Um braço que lhe acharam sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.
Não és os Outros
Não há-de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaramTeus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no FadoE a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
A Nosso Senhor Jesus Christo Com Actos De Arrependido E Suspiros De Amor
Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,
É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,
Delinqüido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.Maldade, que encaminha à vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.Arrependido estou de coração,
De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.Luz, que claro me mostra a salvação,
A salvação pertendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
Fuga
Amo um lugar assim, amo os lugares
onde há montanhas, selvas, passarinhos…
– onde o giz alvacento dos luares,
à noite, faz rabiscos de caminhos…Que bom ficarmos sempre assim, sozinhos…
quantas coisas depois, para lembrares!
Esta calma varanda… os meus carinhos…
Um silêncio… que é música, nos ares…A porteira lá embaixo… a estrada, o fim…
Ah! Se pudéssemos nos esquecer
para onde segue aquela estrada, assim…Ah! Se pudéssemos pensar que aquela
estrada , ali adiante vai morrer…
– Como a vida, meu Deus, seria bela!
O Meu Condão
Quis Deus dar-me o condão de ser sensível
Como o diamante à luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantástica, impossível:
– Um bailado de cor e fantasia!Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixão estranha, ardente, incrível!
Erguer em mim o facho inextinguível,
Como um cinzel vincando uma agonia!Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– Vãos, os meus braços de crucificada,
Inúteis, esses beijos que te dei!Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…
Majestade Caída
Esse cornóide deus funambulesco
Em torno ao qual as Potestades rugem,
Lembra os trovões, que tétricos estrugem,
No riso alvar de truão carnavalesco.De ironias o momo picaresco
Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ácida salsugem
Mostra e parece um Sátiro dantesco.Mas ninguém nota as cóleras horríveis,
Os chascos, os sarcasmos impassíveis
Dessa estranha e tremenda Majestade.Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, está chorando
Os Noivados em flor da Mocidade!
Minh’alma Está Agora Penetrando
Minh’alma está agora penetrando
Lá na etérea plaga, cristalina!
Que música meu Deus febril, divina
Nos páramos azuis vai retumbando!Além, d’áureo dossel se está rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
Diáfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croadoDe um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lábios faz soltar pujante brado
Hosanas! não morreu! apenas dorme.
Outrora
Outrora alguém olhou com os meus olhos
E alguém sentiu também com meus sentidos.
Alguém foi Eu em sonhos derruídos,
Alguém viveu de mim ante os teus olhos.Por isso se me vejo, me conheço
De me ter visto outrora no meu Eu.
O meu passado é tudo que adormeço
Tudo o que envolvo em mim e me esqueceu.E as minhas mãos que no teu sonho exaltas,
Outrora para Deus as elevei…
Não tocavam em Deus, eram mais altas.Minha presença é alma que se ausenta
E o meu passado que ante mim deixei.
Uma cadeira onde ninguém se senta.
O Meu Impossível
Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!…Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!…
Violinos
Pelas bizarras, góticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visões mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso céu que além se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula…Rezam de joelhos anjos de mãos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
Magnólias e lírios desfolhando…
Milagre De Amor
Que mimporta, meu amor, a poesia que tanto
te preocupa porque a fiz antes de ti ?
Hoje… para não ver os teus olhos em pranto
por Deus que eu rasgaria os versos que escrevi…Hoje, já não são meus… Como que por encanto
estes poemas que fiz, que sonhei, que vivi,
são estranhos que seguem cantando o meu canto
a falarem de um velho mundo, que esqueci…De repente a mudança é tão grande, é tamanha,
que o passado se esvai numa sombra perdida,
e a minha própria voz soa falsa e estranha…Óh Milagre de Amor… ( Que por louco me tomem!)
Mas sinto uma alma nova em mim… tenho oura vida!!
E um novo coração no peito… e sou outro homem!
Baby!
Baby! Sossega a tua voz. Não digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço…Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sós, passando, e empalideço…
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida até, brinquedo que aborreço…Mundo dos meus enganos como a desventura!
Experiência, – pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura…Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda é para mim – criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!
Timidez
Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…E ficamos assim, ela em silêncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!
Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.Depois… Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
Versos de Orgulho
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!…
Exaltação
Viver!… Beber o vento e o sol!… Erguer
Ao Céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!A chama, sempre rubra, ao alto, a arder!…
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!…
A glória!… A fama!… O orgulho de criar!…Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos extáticos, pagãos!…Trago na boca o coração dos cravos!
Boémios, vagabundos, e poetas:
– Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!…
O Sono
É um braço magro de mulher, uns olhos espectrais
e brilhantes, uma cabeça de esfinge, uma lâmpada
que fumega. Talvez por os não vermos, vejamos rios
que flamejam, jardins sepultos, um antepassadodesconhecido e cinzento que se derrama no quarto,
um portão esvoaçante, uma pequena fenda por onde
se vai até às nuvens nocturnas. Tudo o que
lá possa estar é tudo: a vassoura esquecida,o rosto primordial da mãe, uma torre de cadáveres
ou um modesto banco de madeira onde deixaram
um vaso verídico de gerânios. Talvez um deusvítreo, rútilo ou, pintada de azul, uma virgem ocre
no cume de colina grega. Uma estranha música soa
nas paredes, antes do exílio para onde nos leva o sono.