Sonetos sobre Deus

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Sonetos de deus escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Satã

Capro e revel, com os fabulosos cornos
Na fronte real de rei dos reis vetustos,
Com bizarros e lúbricos contornos,
Ei-lo Satã dentre os Satãs augustos.

Por verdes e por báquicos adornos
Vai c’roado de pâmpanos venustos
O deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.

Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,
A púrpura das glórias flamejantes,
Alarga as asas de relevos bravos…

O Sonho agita-lhe a imortal cabeça…
E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!

Da Oração

Doce quietação de quem vos ama,
Em serviços, Senhor, que tanto quanto
Amado sois, tão longe o fim de tanto,
Subindo mais, e mais, mais se derrama:

Ardendo por arder em viva chama
De amor do vosso amor, a voz levanto;
Sinto, suspiro, choro, colho, e planto
Ao som doutra suave que me chama.

Onde se vai, Senhor, quem vos ofende?
Donde levais, Deus meu, a quem vos segue?
Onde fugir se pode uma de duas?

Morto por quem o mata que pretende,
Ou que extremos de amor há que nos negue
Quem culpas nossas chama ofensas suas?

Quem presumir, Senhora, de louvar-vos

Quem presumir, Senhora, de louvar-vos
Com humano saber, e não divino,
Ficará de tamanha culpa dino
Quamanha ficais sendo em contemplar-vos.

Não pretenda ninguém de louvor dar-vos,
Por mais que raro seja, e peregrino:
Que vossa fermosura eu imagino
Que Deus a ele só quis comparar-vos.

Ditosa esta alma vossa, que quisestes
Em posse pôr de prenda tão subida,
Como, Senhora, foi a que me destes.

Melhor a guardarei que a própria vida;
Que, pois mercê tamanha me fizestes,
De mim será jamais nunca esquecida.

Ela Ia, Tranquila Pastorinha

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vão…
Seu vulto perde-se na escuridão…
Só sua sombra ante meus pés caminha…

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora

Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Soneto 233 Sonetado

Já li Lope de Vega e li Gregório,
pois ambos sonetaram do soneto,
seara na qual minha foice meto,
tentando fazer algo meritório.

Não quero usar o mesmo palavrório,
mas pilho-me, no meio do quarteto,
montando a anatomia do esqueleto.
No oitavo verso, o alívio é provisório.

Contagem regressiva: faltam cinco.
Mais quatro, e fico livre do problema.
Agora faltam três… Deus, dai-me afinco!

Com dois acabo a porra do poema.
Caralho! Só mais um! Até já brinco!
Gozei! Matei a pau! Que puta tema!

Soneto XXII

Ao mesmo

Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.

Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.

Usou c’o inferno deste próprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.

E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.

Anjo No Nome, Angélica Na Cara

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que não a cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatra?

Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

Onde o Homem não Chega

Onde o Homem não chega tudo é puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo é claro e auroral: a noite, o escuro.

E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?

Foi o Homem, com suas mãos de barro,
com suas mãos perjuras, fel e sarro
de inútil sofrimento e vil prazer.

Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.

Correm Turvas As Águas Deste Rio

Correm turvas as águas deste rio,
que as do Céu e as do monte as enturbaram;
os campos florecidos se secaram,
intratável se fez o vale, e frio.

Passou o Verão, passou o ardente Estio,
üas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso,
que parece que dele Deus se esquece.

Casos, opiniões, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.

Disputa em Família

I

Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:

« — Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!

Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinível…

Já provámos os frutos da verdade…
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d’uma vã banalidade! — »

II

Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,

Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:

« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.

Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,

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Soneto Da Ilha

Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alísios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.

Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambêm um mar que me molhava o sono.

E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexo

Estelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.

Meu Coração

Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…

Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…

Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…

O Coração – II

A solidão é perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao último sonho. A solidão
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.

Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz é negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teorema

de ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efémera

e longínqua, trovão engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.

Spleen De Deuses

Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…

Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.

Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao Demônio soturno, e o rebelado,
Capricórnio Satã, ao Deus bradava.

Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tédio senil do céu fechado…

Conta e Tempo

Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta,
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.

Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta!

Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo…

Mães de Portugal

Ó Mães de Portugal comovedoras,
Com Meninos Jesus de encontro ao peito,
Iguais na devoção e amor perfeito
Aos painéis onde estão Nossas Senhoras!

Ó Virgem Mãe, qual se tu própria foras,
Surgem de cada lado, quase a eito,
As Mães e os Filhos em abraço estreito,
Dolorosas, felizes, povoadoras…

São presépios as casas onde moram:
E o riso casto, as lágrimas que choram,
O anseio que lhes enche o coração,

Gesto, candura, olhar — tudo é divino,
Tudo ensinado pelo Deus Menino,
Tudo é da Mãe Celeste inspiração!

Pedes a Deus Quanto a ti te Quitas

QUE COM OS SEUS EXCESSOS ACELERAM A DOENÇA E A VELHICE

Que os anos sobre ti voem bem leves,
pedes a Deus; e que o rosto as pegadas
deles não sinta, e às grenhas bem penteadas
não transmita a velhice suas neves.

Isto lhe pedes, e bêbedo bebes
as vindimas em taças coroadas;
e pra teu ventre todas as manadas
que Apúlia pastam são bocados breves.

Pedes a Deus quanto a ti te quitas;
a enfermidade e a velhice tragas
e estar isento delas solicitas.

Mas em rugosa pele dívidas pagas
das grandes bebedeiras que vomitas,
e na saúde que, comilão, estragas.

Tradução de José Bento

Vita Nuova

De onde e veio esse tremor de ninho
A alvorecer na morta madrugada?
Era todo o meu ser… Não era nada,
Senão na pele a sombra de um carinho.

Ah, bem velho carinho! Um desalinho
De dedos tontos no painel da escada…
Batia a minha cor multiplicada,
– Era o sangue de Deus mudado em vinho!

Bandeiras tatalavam no alto mastro
Do meu desejo. No fervor da espera
Clareou à distância o súbito alabastro.

E na memória, em nova primavera,
Revivesceu, candente como um astro,
A flor do sonho, o sonho da quimera.

Tristeza De Momo

Pela primeira vez, ímpias risadas
Susta em pranto o deus da zombaria;
Chora; e vingam-se dele, nesse dia,
Os silvanos e as ninfas ultrajadas;

Trovejam bocas mil escancaradas,
Rindo; arrombam-se os diques da alegria;
E estoira descomposta vozeria
Por toda a selva, e apupos e pedradas…

Fauno, indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros vis, da mais indigna laia,
Zombam. Não há quem dele se condoa!

E Eco propaga a formidável vaia,
Que além por fundos boqueirões reboa
E, como um largo mar, rola e se espraia…

Poética

Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia

E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.

Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo.
(Um templo sem Deus.)

Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
…. Entrai, irmãos meus!