SĂmiles
(Desterro)
Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.Tudo que a BĂblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se à risca, foi executado.O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de JericĂł, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e… perdoou.
Sonetos sobre Dia de Cruz e Souza
16 resultadosAusĂŞncia Misteriosa
Uma hora sĂł que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um sĂł minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto…
Na tua ausĂŞncia, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta…Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
VĂŞm para mim, lentas, se aproximando.E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que nĂŁo Ă© da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando…
Recordação
Foi por aqui, sob estes árvoredos,
Sob este doce e plácido horizonte,
Perto da clara e pequenina fonte
Que murmura lá baixo os seus segredos…Recordo bem todos os cantos ledos
Da passarada — e lembro-me da ponte
Por sobre a qual via-se além, de fronte,
O mar azul batendo nos penedos.Sinto a impressĂŁo ainda da paisagem,
Do trĂŞmolo (…)* da folhagem,
Das culturas rurais, do sĂtio agreste.A luz do dia vinha entĂŁo morrendo…
Foi por aqui que eu pude ficar crendo
O quanto pode o teu olhar celeste.* Rasurado
Campesinas I
Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti sĂł cresse
E em nada mais, camponesa.Quem contigo andasse Ă toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,Beijando-te o corpo airoso,
TĂŁo fresco e tĂŁo perfumoso,
Cheirando a figos abertos.
Primavera A Fora
Escute, excelentĂssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol Ă© rubro de alegria,
Que tons de luz nas lĂmpidas paisagens.Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce mĂşsica sincera,
Cante a balada eterna dos amores…
Vanda
Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
Makuâma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluĂste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.Nesse teu lábio sem calor onde anda
A sombra vĂŁ de amores que sentiste
Outrora, acende risos que nĂŁo viste
Nunca e as tristezas para longe manda.Esquece a dor, a lĂşbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.
Pássaro Marinho
ManhĂŁ de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idĂlio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos lĂmpidos espaços.Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens mĂşsicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!
Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂ´s-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂvel treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopĂ©ias,
Das grandes cavatinas olĂmpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂşlgidas idĂ©ias!…PorĂ©m, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Feliz!
Ser de beleza, de melamcolia,
EspĂrito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lágrimas um dia.Se a tu’alma Ă© d’estrela e d’harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.Deus a proteja na felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cânticos, de aroma e luz ardente.E sê feliz e sê feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!
Ideal Comum
(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).
Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recĂ´nditos, vivazes.Lembras lĂrios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;E teus seios, olĂmpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.
Pacto Das Almas (I) Para Sempre!
Ah! para sempre! para sempre! Agora
NĂŁo nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no ClarĂŁo bendito,
HĂŁo de enfim saciar toda esta sede…
Judia
Ah! Judia! Judia impenitente!
De erma e de turva regiĂŁo sombria
De areia fulva, bárbara, inclemente,
Numa desolação, chegaste um dia…TravĂ©s o cĂ©u mais tĂłrrido, mais quente,
Onde a luz mais flamĂvoma radia,
A voz dos teus, nostálgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis sidérios,
Ébria dos vĂcios cĂ©lebres que salvam…Para alguns corações que ainda te buscam
És como os sóis que rútilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!
Campesinas IX
Morreste no campo um dia,
Como uma flor desprezada.
Clareava a madrugada
Azul, vaporosa e fria.Sobre a agreste serrania,
Numa ermida branqueada
Por uma manhĂŁ doirada
Um sino repercutia.Teu caixĂŁo, de camponesas
E camponeses seguido,
Desceu abaixo Ă s devesas.Ganhou o atalho comprido
De casas em correntezas
E entrou num campo florido.
ImpassĂvel
Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um sĂł dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.A Imensidade nunca mais quer vĂŞ-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.
Decadentes
Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.Desesperado frĂŞmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso Ă© triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…
VĂŁo Arrebatamento
Partes um dia das Curiosidades
Do teu ser singular, partes em busca
De alamas irmĂŁs, cujo esplendor ofusca
As celestes, divinas claridades.Rasgas terras e céus, imensidades,
Dos perigos da Vida a vaga brusca,
Queima-te o sol que na AmplidĂŁo corusca
E consola-te a lua das saudades.Andas por toda a parte, em toda a parte
A sedução das almas a falar-te,
Como da Terra luminosos marcos.E a sorrir e a gemer e soluçando
Ah! Sempre em busca de almas vais andando
Mas em vez delas encontrando charcos!