Num Leque
Na gaze loura d’este leque adeja
NĂŁo sei que aroma mĂstico e encantado…
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado…
AtĂ© minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!
Sonetos sobre Doces
229 resultadosO ferido Sem Ter Cura Perecia
O Ferido sem ter cura perecia
o forte e duro TĂ©lefo temido,
por aquele que n’água foi metido,
a quem ferro nenhum cortar podia.Ao ApolĂneo Oráculo pedia
conselho para ser restituĂdo;
respondeu que tornasse a ser ferido
por quem o já ferira, e sararia.Assi, Senhora, quer minha ventura
que, ferido de ver vos, claramente
com vos tornar a ver Amor me cura.Mas Ă© tĂŁo doce vossa fermosura,
que fico como hidrĂłpico doente,
que co beber lhe cresce mor secura.
EspĂrito Imortal
EspĂrito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em gládios os sarcasmos
Para punir as multidões profundas!Ó alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoções, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tĂ©dios por charnecas fundas.Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.Tens minha MĂŁo, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
EspĂrito imortal do Sentimento!
Chopin
NĂŁo se acende hoje a luz…Todo o luar
Fique lá fora.Bem Aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordĂŁo de margaridas!Entram falenas meio entontecidas…
Lusco-fusco…um morcego a palpitar
Passa…torna a passar…torna a passar…
As coisas tĂŞm o ar de adormecidas…Mansinho…Roça os dedos plo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira
Vem para mim da escuridĂŁo da sala…
Paisagens De Inverno I
Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! – o sol! Volvei, noites de paz.Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ă“ meus olhos, cismai como os velhinhos.Extintas primaveras evocai-as:
– Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias.-Sossegai, esfriai, olhos febris.
-E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…-
Nossa LĂngua
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na lĂngua da saudade e do crepĂşsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu mĂşsculo
na hora que Ă© preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opĂşsculo.Dizer e maldizer do mel ao fel
Ă© fado de cantigas tĂŁo antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abrigana lĂngua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que nĂŁo se cala.* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra lĂngua a minha lĂngua cale.”
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Rosa, E Anarda
Rosa da formosura, Anarda bela
igualmente se ostenta como a rosa;
Anarda mais que as flores Ă© formosa,
mais formosa que as flores brilha aquela.A rosa com espinhos se desvela,
arma-se Anarda espinhos de impiedosa;
na fronte Anarda tem pĂşrpura airosa,
a rosa Ă© dos jardins purpĂşrea estrela.Brota o carmim da rosa doce alento,
respira olor de Anarda o carmim breve,
ambas dos olhos são contentamento:mas esta diferença Anarda teve:
que a rosa deve ao sol seu luzimento,
o sol seu luzimento a Anarda deve.
Amor E Crença
E sĂŞ bendita!
H. SienkiewiczSabes que Ă© Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar Ă Natureza,
Fita a cĂşp’la do CĂ©u santa e infinita!Deus Ă© o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crĂŞ em Deus, e… sĂŞ bendita!
Ă€ Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mĂŁo que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
Ă€ tua espera…quebra-me o encanto!
Soror Saudade
A Américo Durão
IrmĂŁ, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do prĂłprio sonho que sonhaste.Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hĂŁo-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “IrmĂŁ, Soror Saudade”…
Ser Dos Seres
No teu ser de silĂŞncio e d’esperança
A doce luz das Amplidões flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mágicos poderes.E traz, embora os Ăntimos cansaços,
Ânsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhĂŁo dos Seres!
Os Mortos
Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.Os mortos dão-nos paz imensa à vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.
Aleluia! Aleluia!
Dentre um cortejo de harpas e alaĂşdes
Ă“ Arcanjo sereno, Arcanjo nĂveo,
Baixas-te Ă terra, ao mundanal convĂvio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alĂvio
Aos báratros, Ă s brenhas, ao declĂvio
Deste caminho de ânsias e ataĂşdes…Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarĂŁo flamĂvomo das vestes,
Através dos troféus da EternidadeTraz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angĂşstias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!
Repouso na Alegria Comedido
Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraĂso;
Entre rubis e perlas, doce riso,
Debaixo de ouro e neve, cor-de-rosa;Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estĂŁo despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser formosa;Fala de que ou já vida, ou morte pende,
Rara e suave, enfim, Senhora, vossa,
Repouso na alegria comedido:Estas as armas sĂŁo com que me rende
E me cativa Amor; mas nĂŁo que possa
Despojar-me da glĂłria de rendido.
Qualquer outro Bem Julgo por Vento
Quando da bela vista e doce riso
Tomando estĂŁo meus olhos mantimento,
TĂŁo elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o ParaĂso.Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.Em louvar-vos, Senhora, nĂŁo me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que nĂŁo Ă© de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.
MarĂlia De Dirceu
Soneto 10
Adeus, cabana, adeus; adeus, Ăł gado;
Albina ingrata, adeus, em paz te deixo;
Adeus, doce rabil; neste alto freixo
Te fica, ao meu destino consagrado.Se te for meu sucesso perguntado,
nĂŁo declares, rabil, de quem me queixo;
nĂŁo quero que se saiba vive Aleixo
por causa de uma infame desterrado.Se vires a pastor desconhecido,
lhe dize entĂŁo piedoso: – Ah! vai-te embora,
atalha os danos, que outros tĂŞm sentido.Habita nesta aldeia uma pastora,
de rosto belo, coração fingido,
umas vezes cruel, e as mais traidora.
Ilusões Mortas
A VirgĂlio Várzea
Os meus amores vĂŁo-se mar em fora,
E vĂŁo-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.E os meus amores nĂŁo virĂŁo agora,
NĂŁo baterĂŁo as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudosoNo fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.
LXXVI
Enfim te hei de deixar, doce corrente
Do claro, do suavĂssimo Mondego;
Hei de deixar-te enfim; e um novo pego
Formará de meu pranto a cópia ardente.De ti me apartarei; mas bem que ausente,
Desta lira serás eterno emprego;
E quanto influxo hoje a dever-te chego,
Pagará de meu peito a voz cadente.Das ninfas, que na fresca, amena estância
Das tuas margens Ăşmidas ouvia,
Eu terei sempre n’alma a consonância;Desde o prazo funesto deste dia
Serão fiscais eternos da minha ânsia
As memĂłrias da tua companhia.
LXXI
Eu cantei, nĂŁo o nego, eu algum dia
Cantei do injusto amor o vencimento;
Sem saber, que o veneno mais violento
Nas doces expressões falso encobria.Que amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de amor isento;
Inda agora de amor cantara atento,
Se lhe não conhecera a aleivosia.Ninguém de amor se fie: agora canto
Somente os seus enganos; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.De seu favor hoje as quimeras pinto:
Amor de uma alma Ă© pesaroso encanto;
Amor de um coração é labirinto.