Soneto XIX
Qual mísera Calisto, quando atenta
Que abrindo o dia vão ao largo estanho
As mais estrelas a seu doce banho,
Só com seu Plaustro só ficar lamenta,Tal, quando me a memória representa
Banharem-se outros nesse mar estranho,
De graças mil gosando bem tamanho,
A falta dessa glória me atormenta.E como inda que irada Juno a tolha
Decer ao mar, não deixa em noite clara
Ferir nele seus raios do alto assento,Assi, por mais que a sorte em tudo avara
Para si deste corpo a parte escolha,
Livre, porém, me fica o pensamento.
Sonetos sobre Doces de Vasco Mouzinho de Quebedo
3 resultadosSoneto XXVII
Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quão larga me foi quanto hoje é breve,C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudará da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua à nau que lida em bravo pego.Mas não seja essa lux que me mostrastes
Só porque ver o meu naufrágio possa,
Que é menor o pirigo a quem vai cego.
Soneto XXXV
Eclipsou-se teu Sol quando nascia,
Em flor cortada foi tua doce vida,
Antes de ser ganhada, foi perdida,
Deixou seus dias antes de seu dia.Aparecer então nos parecia
Quando a já vimos desaparecida,
Enfim, moça fermosa, estás rendida
À lei humana envolta em terra fria.Ai Amor, quantas vezes te condenas!
Criaste-me nesta alma ua esperança,
Deixas roubar-ma a morte sem valer-me.Mas bem entendo, Amor, que isto me ordenas
Para vir a saber a quanto alcança,
Perdê-la, sem perder-te, com perder-me.