Sonetos
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.VĂŁo — por estradas, por difĂceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂmpidas, gentis,Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.
Sonetos sobre Dois de Cruz e Souza
10 resultadosAnda-Me A Alma
Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu Ă© tambĂ©m dela o mesmo norte.Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…O mesmo diapasĂŁo musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.
VisĂŁo Medieva
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.Nas armaduras rĂgidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.
Cristo E A AdĂşltera
(Grupo de Bernardelli)
Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plácida candura,
Nesse esplendor tĂŁo fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.Que campo, ali, de rĂştila conquista
Deve rasgar, do mármore na alvura,
O estatuário — que amplidĂŁo segura
Tem — de alma e braço, de razĂŁo e vista!VĂŞ-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixĂŁo sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefáveis corações piedosos!
Crença
Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidĂŁo das cousas,
Nessa mudez castĂssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer nĂŁo ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos rĂspidos escolhos;
Tê-los à frente de qualquer farolE conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!
DIATRIBE
Dois zoilos mui completos deste mundo,
Dois zoilos há terrĂveis e zelosos,
Que estando sem fazer, mui ociosos
SĂł tratam dum falar nauseabundo.Eu sei mui bem seus nomes — nĂŁo confundo
Com esses bem sensatos, talentosos,
Com esses lidadores mui briosos
Que tĂŞm estudo imenso e bem profundo!Mas ah! pra que tempo hei-de gastar
Com quem sĂł vive imerso na caligem
D’inveja torpe e vil a esbravejar!Isto, meus amigos, Ă© impigem
Que quanto se procura mais coçar
Tanto e tanto mais só dá prurigem!
Imaginai Um Misto De Alvoradas
Imaginai um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quês suaves de açucena
C’os magos prantos bons das madrugadas!…Imaginai mil cousas encantadas…
O tĂmido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas…Que encontrareis entĂŁo em Julieta
O tipo sĂŁo, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!…E sentireis um fluido magnĂ©tico
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,
Bem como a voz dos langues psicattos!…
O Cego Do Harmonium
Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.O seu cantar nostálgico adormenta
Como um luar de mĂłrbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lânguida surdina.Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos…Ah! eu nĂŁo sei o sentimento vário
Que prende-me a esse cego solitário,
De olhos aflitos como vĂŁos gemidos!
Alma Que Chora
A JoĂŁo Saldanha
Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,Em vão do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas rĂspidas, austeras!Viste partir a tua irmĂŁ, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fĂşlgidas quimeras…
Sempre E Sempre
De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
Gêmeas, ardentes, novas, inspiradas;Vendo cair as lágrimas prateadas,
Sentindo o coro harmĂ´nico das fontes,
Sempre fitando a cĂşspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;Sempre embebendo os lĂmpidos olhares
Na claridĂŁo dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,Vão nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.