Sonetos sobre Dois de Glauco Mattoso

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Sonetos de dois de Glauco Mattoso. Leia este e outros sonetos de Glauco Mattoso em Poetris.

Soneto 252 Qualitativo

Repito que um Ă© dote, dois Ă© dom,
mas três já é defeito, tenha dó!
Camões fez “Alma minha” e o do Jacó:
Terceiro Ă© mui difĂ­cil ser tĂŁo bom.

A tanto inda acrescento, alto e bom som:
Falar de sentimento, por si sĂł,
nĂŁo faz de nenhum verso um pĂŁo-de-lĂł,
nem temas de bom tom sĂŁo sĂł bombom.

Fazer soneto Ă s pencas, outrossim,
não dá patente máxima a ninguém,
nem livra alguém do nível do ruim.

Fiquemos no bom senso, que mantém
a média de dois bons, até pra mim,
que, perto de Camões, sou muito aquém.

Soneto 351 Kármico

Quinhentas e cinqüenta e cinco peças
perfazem as sonatas de Scarlatti.
Nivelam-se, em altĂ­ssimo quilate,
Ă  Nona, Ă  Mona Lisa, qualquer dessas.

Farei tantos sonetos? Não mo peças!
É meta muito hercúlea para um vate!
Recorde desse porte nĂŁo se bate:
no máximo se iguala, e nunca às pressas.

Já fiz mais que Camões, mais que Petrarca:
dois, dois, dois; trĂŞs, trĂŞs, trĂŞs; de pouco em pouco,
que a lira também broxa… É porca. É parca.

Poeta que for cego, mudo ou mouco
compensa a privação com a fuzarca:
diverte-se sofrendo. É glauco. É louco.

Soneto 510 Malocatário

Soneto Ă© um apertado apartamento
num vasto condomĂ­nio de inquilinos.
A mesma planta e vários seus destinos:
um drama urbano em cada pavimento.

Dois quartos, pouca luz e muito vento,
que podem ser alcovas ou cassinos,
parĂłquias parcas, clubes clandestinos,
abrigo do autor brega ou do briguento.

Agora virou zona, mas um dia
foi casa de famĂ­lia e regra tinha:
conversa só começa se o pai pia.

Além da comezinha escrivaninha,
sĂł tem privada, cama, mesa e pia.
Sem sala, o papo acaba na cozinha.

Soneto 246 Incontinente

Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacĂ´nicos, prolixo.
O gosto Ă© variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxímoro me faço.

A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias sĂŁo prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.

Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.

Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.

Soneto 233 Sonetado

Já li Lope de Vega e li Gregório,
pois ambos sonetaram do soneto,
seara na qual minha foice meto,
tentando fazer algo meritĂłrio.

NĂŁo quero usar o mesmo palavrĂłrio,
mas pilho-me, no meio do quarteto,
montando a anatomia do esqueleto.
No oitavo verso, o alĂ­vio Ă© provisĂłrio.

Contagem regressiva: faltam cinco.
Mais quatro, e fico livre do problema.
Agora faltam três… Deus, dai-me afinco!

Com dois acabo a porra do poema.
Caralho! Só mais um! Até já brinco!
Gozei! Matei a pau! Que puta tema!

Soneto 251 Quantitativo

Centenas de sonetos sĂŁo legado
de nomes tidos como monumentos.
Apenas de Camões, mais de duzentos,
registro que Ă© por poucos superado.

NĂŁo fossem os LusĂ­adas o dado
que faz dele o primeiro entre os portentos,
ainda assim Camões marca outros tentos,
e, entre outros tantos, este Ă© consagrado:

“Sete anos de pastor”, o vinte e nove,
que, se nĂŁo for mais belo, Ă© o mais perfeito,
a menos que em contrário alguém me prove.

Mas, como dois Ă© dom, trĂŞs Ă© defeito,
também um “Alma minha”, o dezenove,
ocupa igual lugar no meu conceito.

Soneto 549 Tematizado

De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no cĂ­rculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:

de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto sĂł composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.

Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixões
e todos os sonetos tentem lĂŞ-las.

Não morre um de Bilac ou de Camões,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visões…