Sonetos sobre Dor de Augusto dos Anjos

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Sonetos de dor de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

A Máscara

Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.

No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitĂłria
O peito rompe a capa tormentĂłria
Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.

Soneto

Senhora, eu trajo o luto do passado,
Este luto sem fim que é o meu Calvário
E anseio e choro, delirante e vário,
Sonâmbulo da dor angustiado.

Quantas venturas que me acalentaram!
Mau peito, tĂşm’lo do prazer finado,
Foi outrora do riso abençoado,
O berço onde as venturas se embalaram.

Mas nĂŁo queiras saber nunca, risonha,
O mistĂ©rio d’um peito que estertora
E o segredo d’um’alma que nĂŁo sonha!

NĂŁo, nĂŁo busques saber por que, Senhora,
É minha sina perenal, tristonha
– Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.

A Louca

A Dias Paredes

Quando ela passa: – a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.

Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.

Eu sei a sua histĂłria. – Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
– O segredo d’um peito torturado –

E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça – coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

PlenilĂşnio

Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvíssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
Mística essência desse alampadário.

E a lua é como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.

Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.

Ah! como a branca e merencĂłrea lua,
TambĂ©m envolta num sudário – a Dor,
Minh’alma triste pelos cĂ©us flutua!

A Meu Pai Doente

Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tambĂ©m, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!

Que cousa triste! O campo tĂŁo sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, meu Pai?! Que mĂŁo sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!

– Seria a mĂŁo de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus nĂŁo havia de magoar-te assim!