Este Livro
Este livro é de mágoas.Desgraçados os
Que no mundo passais, chorai ao lĂŞ-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo…e compreendĂŞ-lo.Este livro Ă© para vĂłs. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
BĂblia de tristes…Ă“ Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vĂŞ-lo!Livro de Mágoas…Dores…Ansiedades!
Livro de Sombras…NĂ©voas e Saudades!
Vai pelo mundo…(Trouxe-o no meu seio…)IrmĂŁos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro sĂł de mágoas cheio!…
Sonetos sobre Dor de Florbela Espanca
33 resultadosA Anto!
Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o SĂł pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bĂblia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração…Amo-te como nĂŁo te quis nunca ninguĂ©m,
Como se eu fosse, Ăł Anto, a tua prĂłpria mĂŁe
Beijando-te já frio no fundo do caixão!
Deixai Entrar A Morte
Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mĂŁos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, nĂŁo encontrou nada!Ă“ MĂŁe! Ă“ minha MĂŁe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxestePra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lĂrio que em má hora foi nascido!…
Languidez
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar …E a minha boca tem uns beijos mudos …
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar …
ImpossĂvel
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chĂŁo,
Sempre a pensar na dor que nĂŁo existe …O que Ă© que tem?! TĂŁo nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois entĂŁo?! …”
Quando se sofre, o que se diz Ă© vĂŁo …
Meu coração, tudo, calado, ouviste …Os meus males ninguĂ©m mos adivinha …
A minha Dor nĂŁo fala, anda sozinha …
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! …Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus … ninguĂ©m … A minha Dor nĂŁo cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera! …
Ser Poeta
Ser Poeta Ă© ser mais alto, Ă© ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!É ter de mil desejos o esplendor
E nĂŁo saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhĂŁs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num sĂł grito!E Ă© amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizĂŞ-lo cantando a toda gente!
Noite De Saudade
A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra , que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…NinguĂ©m vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que Ă© cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual Ă que eu contenho!Saudade que eu sei donde me vem…
Talvez de ti, Ăł Noite!…Ou de ninguĂ©m!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que eu tenho!!
CastelĂŁ da Tristeza
Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor …
E nunca em meu castelo entrou alguĂ©m!CastelĂŁ da Tristeza, vĂŞs? … A quem? …
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pĂ´r …
Chora o silĂŞncio … nada … ninguĂ©m vem …CastelĂŁ da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
Ă€ sombra rendilhada dos vitrais? …Ă€ noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? … Porque anseias? …
Que sonho afagam tuas mĂŁos reais? …
As Minhas Ilusões
Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂvel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ăşltimo suspiro, a estremecer!O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …
Mais Alto
Mais alto, sim! Mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quemO mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdĂ©m!Mais alto, sim! Mais alto! A IntangĂvel
Turris Eburnea erguida nos espaços,
Ă€ rutilante luz dum impossĂvel!Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!
Crucificada
Amiga… noiva… irmĂŁ… o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei-de merecĂŞ-las,
Ao beijar a esmola que me deres.Podes amar até outras mulheres!
– Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor sĂł para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de poisar a boca nos teus passos
Pra nĂŁo serem pisados por ninguĂ©m.E depois… Ah! depois de dores tamanhas,
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!
Interrogação
A Guido Batelli
Neste tormento inĂştil, neste empenho
De tornar em silĂŞncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă garganta
Num clamor de loucura que contenho.Ă“ alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂştila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!
A Maior Tortura
A um grande poeta de Portugal
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia…
E nĂŁo tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia! …
A minha pobre MĂŁe tĂŁo branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!Mas a minha tortura inda é maior:
NĂŁo ser poeta assim como tu Ă©s
Para gritar num verso a minha Dor!…