Sonetos sobre Dor de Luís de CamÔes

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Sonetos de dor de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

LĂĄgrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂ­scas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lĂĄgrimas de honesta piedade
LĂĄgrimas de imortal contentamento.

VĂłs SĂł Convosco mesma Andai de Amores

Porque quereis, Senhora, que ofereça
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que eu mereço,
Bem por nascer estå quem vos mereça.

Entendei que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça.

Assim que a paga igual de minhas dores
Com nada se restaura, mas deveis-ma
Por ser capaz de tantos desfavores.

E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
VĂłs sĂł convosco mesma andai de amores.

Despois Que Viu Cibele O Corpo Humano

Despois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Átis seu verde pinheiro,
em piedade o vĂŁo furar primeiro
convertido, chorou seu grave dano.

E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a JĂșpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.

Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lå do Céu superno.

Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando Ă  vossa sombra verso eterno!

NĂŁo Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos nĂŁo cansam de chorar
Tristezas nĂŁo cansadas de cansar-me;
Pois nĂŁo se abranda o fogo em que abrasar-me
PĂŽde quem eu jamais pude abrandar;

NĂŁo canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lĂĄ possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me nĂŁo deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, ĂĄguas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mĂĄgoas podem curar mĂĄgoas.

Que Modo TĂŁo Sutil Da Natureza

Que modo tĂŁo sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!

Mas esconder se nĂŁo pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistĂȘncia nĂŁo sinto, ou fortaleza.

Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memĂłria,
da mesma razĂŁo sua se condena.

Porque quem mereceu ver tanta glĂłria,
cativo hĂĄ de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitĂłria.

Como Fizeste, PĂłrcia, Tal Ferida?

Como fizeste, PĂłrcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
-Mas foi fazer Amor experiĂȘncia
se podia sofrer tirar me a vida.

-E com teu prĂłprio sangue te convida
a nĂŁo pores Ă  vida resistĂȘncia?
-Ando me acostumando Ă  paciĂȘncia,
porque o temor a morte nĂŁo impida.

-Pois porque comes, logo, fogo ardente,
se a ferro te costumas?-Porque ordena
Amor que morra e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
-Si: que a dor costumada nĂŁo se sente;
e eu nĂŁo quero a morte sem a pena.

MemĂłria De Meu Bem, Cortado Em Flores

MemĂłria de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.

Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.

Perdi nua hora quanto em termos
tĂŁo vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.

Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, nĂŁo ua sĂł, dura memĂłria!

Erros Meus, MĂĄ Fortuna, Amor Ardente

Erros meus, mĂĄ Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tĂŁo presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que jĂĄ as frequĂȘncias suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor nĂŁo vi senĂŁo breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!