Vós, Crédulos Mortais, Alucinados
Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparĂȘncias
colheis por uso erradas consequĂȘncias
dos acontecimentos desastrados.Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciĂȘncias,
indo a cair, gritais que sĂŁo violĂȘncias
de inexoråveis céus, de negros fados.Se um celeste poder tirano e duro
Ă s vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, ó Razão, teu lume puro?Não forçam coraçÔes as divindades,
fado amigo nĂŁo hĂĄ nem fado escuro:
fados são as paixÔes, são as vontades.
Sonetos sobre Duros de Manuel Maria Barbosa du Bocage
10 resultadosO Suspiro
Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de Vénus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos coraçÔes a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro ofârece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.
Eu Deliro, GertrĂșria, eu Desespero
Eu deliro, GertrĂșria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angĂșstias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.Pelo Céu, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cĂąndidos amores;
Longe o prazer de ilĂcitos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vĂĄria Deusa, que me nega abrigo!Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a mĂĄ ventura.
CamÔes, Grande CamÔes, quão Semelhante
CamÔes, grande CamÔes, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar coâo sacrĂlego gigante;Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂșria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
TambĂ©m carpindo estou, saudoso amante.LudĂbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.Modelo meu tu Ă©s, mas⊠oh, tristeza!âŠ
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.
Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo
Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte estĂĄ chegado;
Lå soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vĂȘs com dor meu duro estado,
Volve Ă terra o cadĂĄver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos coraçÔes, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:Abre em meu nome este epitĂĄfio nela:
âEu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidĂ”es, matou-me Isabela.â
Fiei-me nos Sorrisos da Ventura
Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
MomentĂąneo relĂąmpago nĂŁo dura:No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo hĂșmido e ouco,
Pareço, atĂ© no tom lĂșgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:Que estĂąncia para mim tĂŁo prĂłpria Ă© esta!
Causais-me um doce, e fĂșnebre transporte,
Ăridos matos, lĂŽbrega floresta!Ah! nĂŁo me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidĂŁo e a morte.
Morte, JuĂzo, Inferno e ParaĂso
Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhÔes adoro e beijo.Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam dâalma a paz e o riso,
Sendo sĂł meu sustento os meus cuidados;E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, JuĂzo, Inferno e ParaĂso.
Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças
Negra fera, que a tudo as garras lanças,
JĂĄ murchaste, insensĂvel a clamores,
Nas faces de TirsĂĄlia as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
VĂȘ as trĂȘs Graças, vĂȘ os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!DomicĂlio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruĂda a formosura,
Abre-te, då lugar a um desgraçado.Eis desço, eis cinzas palpo⊠Ah, Morte dura!
Ah, TirsĂĄlia! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, Ăł sepultura!
Soneto Ditado Na Agonia
Jå Bocage não sou!⊠à cova escura
Meu estro vai parar desfeito em ventoâŠ
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;Conheço agora jå quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!⊠Tivera algum merecimento
Se um raio da razĂŁo seguisse pura.Eu me arrependo; a lĂngua quasi fria
Brade em alto pregĂŁo Ă mocidade,
Que atrås do som fantåstico corria:Outro Aretino fui⊠a santidade
Manchei!⊠Oh! Se me creste, gente Ămpia,
Rasga meus versos, crĂȘ na eternidade!.
Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas
Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estĂŁo negras paixĂ”es nâalma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vĂĄs nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas Ăąnsias venenosas chagas.Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror coâa ideia eu corro,
Solto gemidos, lĂĄgrimas derramo.RazĂŁo, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me nĂŁo amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.