Elegia para Santa Rosa
Aurora chega, e permaneces fria
noite, imobilizado, cego e mudo
às coisas das manhãs que amanhecias:
cavalete, jornal, café no bule.O mundo neutro e nu pede a pintura;
a tela virgem, teu pincel tranquilo,
As cores vêm chorando pela rua,
entram no atelier branco e vazio.Quais os murais que irás compor no muro,
entre o que foste e o que serás, erguido,
o indevassável muro eterno e duro?Ai, Santa, pesam sobre nós os dias
desta sobrevivência que te usurpa
o espaço e o tempo que te pertenciam.
Sonetos sobre Duros
143 resultadosAh! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
Todo O Animal Da Calma Repousava
Todo o animal da calma repousava,
só Liso o ardor dela não sentia;
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
o triste som das mágoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade d’outrem posto estava.Cansado já de andar pela espessura,
no tronco d’üa faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:“Nunca ponha ninguém sua esperança
em peito feminil, que, de natura,
somente em ser mudável tem firmeza”.
Obrei quanto o Discurso me Guiava
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.
Mundo Incerto
Eis aqui mil caminhos: Porventura
Qual destes leva a gente ao povoado?
Todos vão sós: só este vai trilhado;
Mas se, por ser trilhado, me assegura?Não: que desd’o princípio há que lhe dura
Do erro este costume, ao mundo dado;
Ser aquele caminho mais errado,
O que é de mais passage e fermosura.Em fim não passarei, temendo a sorte?
Também, tanto temor é desconcerto:
A quem passar avante, assi lhe importe.Que farei logo, incerto em mundo incerto? –
Buscar nos Céus o verdadeiro Norte,
Pois na terra não há caminho certo.
Pelo Campo Cantando Vai Contente
Pelo campo cantando vai contente
o Lavrador seguindo o curvo arado:
e canta na prisão o desgraçado,
ao triste som de uma áspera corrente.Aquele, canta alegre, e docemente,
nas suaves pensões de seu Estado;
este, só por vingar-se de seu fado,
com o Canto disfarça o mal que sente.Eu também já em doces alegrias,
qual Lavrador, cantei nesta espessura,
sem conhecer do Fado as tiranias:porém hoje de Amor na prisão dura,
com o Canto disfarço as agonias,
por vingar-me de minha desventura.
Quem Quiser Ver D’amor Üa Excelência
Quem quiser ver d’Amor üa excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.
Males, que Contra Mim vos Conjurastes
Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto há-de durar tão duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.Assim de ambos contente será a sorte:
Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.
Com Tornar-vos a Ver Amor me Cura
Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro Télefo temido
Por aquele que na água foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.Quando a apolíneo Oráculo pedia
Conselho para ser restituído,
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o já ferira, e sararia.Assim, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.Mas é tão doce vossa formosura,
Que fico como o hidrópico doente,
Que bebendo lhe cresce mor secura.
Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças
Negra fera, que a tudo as garras lanças,
Já murchaste, insensível a clamores,
Nas faces de Tirsália as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
Vê as três Graças, vê os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!Domicílio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruída a formosura,
Abre-te, dá lugar a um desgraçado.Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, Tirsália! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, ó sepultura!
LI
Adeus, ídolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitória mísera publica,
Que tens barbaramente conseguido.Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;Na imensa confusão de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vítima de uma alma em teus altares.
Máscara Mortuária De Graciliano Ramos
Feito só, sua máscara paterna
Sua máscara tosca de acridoce
Feição, sua máscara austerizou-se
Numa preclara decisão eterna.Feito só, feito pó, desencantou-se
Nele o intimo arcanjo, a chama interna
Da paixão em que sempre se queimou
Seu duro corpo que ora longe inverna.Feito pó, feito pólem, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua mácara enxuta de homem forteIsto revela em seu silêncio à escuta:
Numa severa afirmação da luta
Uma impassível negação da morte.
Soneto XXXIII
Nunca se viu tão duro coração
Que sentindo chorar não distilasse
Lágrimas fervorosas, nem mostrasse
Que tinha do que via compaixão.Não espalhou Orfeu seus ais em vão,
Mas antes acabara que chorasse,
E que outro novo pranto levantasse,
Quem nunca se doera de aflição.Como não chorará com larga veia
Meu mal quem mo causou, e pouco o estima,
Pois chorá-lo te vê tão tristemente,Sendo mui natural que mais lastima
Quem chora como sua a pena alheia,
Que quem a pena própria chora, e sente.
Por Sua Ninfa, Céfalo Deixava
Por sua Ninfa, Céfalo deixava
Aurora, que por ele se perdia,
posto que dá princípio ao claro dia,
posto que as roxas flores imitava.Ele, que a bela Prócris tanto amava
que só por ela tudo enjeitaria,
deseja de atentar se lhe acharia
tão firme fé como nele achava.Mudado o trajo, tece o duro engano:
outro se finge, preço põe diante,
quebra se a fé mudável, e consente.Ó engenho sutil para seu dano!
Vede que manhas busca um cego amante
para que sempre seja descontente!
XXVI
Não vês, Nise, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta,
Que vem cobrindo o céu, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido?Não vês a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta,
O raio a cada instante despedido.Ah! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal; que o Céu destina
Vejas mais feia, mais cruel desgraça:Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás então, o que é ruína.
Doce Contentamento Já Passado
Doce contentamento já passado,
em que todo meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vós tão apartado?Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado?Fortuna minha foi, cruel e dura,
aquela que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela.Nem se engane nenhüa criatura,
que não pode nenhum impedimento
fugir do que [lhe] ordena sua estrela.
Memória De Meu Bem, Cortado Em Flores
Memória de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.Perdi nua hora quanto em termos
tão vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, não ua só, dura memória!
Soneto XXIX
Que mal é este meu tão diferente?
Não é dos males grandes natureza
Ou se acabarem logo sem firmeza,
Ou acabarem logo a quem os sente?Seu natural custume não consente
Minha ventura, pois minha fraqueza
Como dura: do mal tem fortaleza
Por mais tempo sentir meu acidente.Sou qual Fénix que morre e ressuscita,
Ou como Prometeu que lá se queixa,
E por sentir mais dor se não consume.Não dizem que o costume e tempo incita
A não sentir-se a dor: té nisto deixa
O tempo, e o custume, seu custume.
Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Em Flor Vos Arrancou, De Então Crecida
Em flor vos arrancou, de então crescida
(Ah! senhor dom António!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.üa só razão tenho conhecida
com que tamanha mágoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que não podíeis ter mais larga a vida.Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mãos do fero Marte,
na memória das gentes vivereis.