Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso
Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual lĂngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂso,
Logo o engenho me falta, o espĂrito mĂngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a lĂngua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.
Sonetos sobre Engenho de LuĂs de Camões
8 resultadosDe Um TĂŁo Felice Engenho, Produzido
De um tĂŁo felice engenho, produzido
de outro, que o claro Sol nĂŁo viu maior,
Ă© trazer cousas altas no sentido,
todas dinas de espanto e de louvor.Museu foi antiquĂssimo escritor,
filĂłsofo e poeta conhecido,
discĂpulo do MĂşsico amador
que co som teve o Inferno suspendido.Este pĂ´de abalar o monte mudo,
cantando aquele mal, que eu já passei,
do mancebo de Abido mal sisudo.Agora contam já (segundo achei),
Passo, e o nosso BoscĂŁo, que disse tudo
dos segredos que move o cego Rei.
De TĂŁo Divino Acento E Voz Humana
De tĂŁo divino acento e voz humana,
de tĂŁo doces palavras peregrinas,
bem sei que minhas obras nĂŁo sĂŁo dinas,
que o rudo engenho meu me desengana.Mas de vossos escritos corre e mana
licor que vence as águas cabalinas;
e convosco do Tejo as flores finas
farĂŁo enveja Ă cĂłpia mantuana.E pois, a vĂłs de si nĂŁo sendo avaras,
as filhas de MnemĂłsine fermosa
partes dadas vos tem, ao mundo caras,a minha Musa e a vossa tĂŁo famosa,
ambas posso chamar ao mundo raras:
a vossa d’alta, a minha d’envejosa.
Que o Rudo Engenho Meu me Desengana
De tĂŁo divino acento em voz humana,
De elegâncias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras nĂŁo sĂŁo dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
FarĂŁo inveja Ă cĂłpia Mantuana.E pois a vĂłs, de si nĂŁo sendo avaras,
As filhas de MnemĂłsine fermosa
Partes dadas vos tĂŞm ao mundo claras;A minha Musa, e a vossa tĂŁo famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.
Não Pode Tirar-me as Esperanças
Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.Que dias há que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂŞ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂŞ.
Eu Cantarei De Amor TĂŁo Docemente
Eu cantarei de amor tĂŁo docemente,
por uns termos em si tĂŁo concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
Por Sua Ninfa, CĂ©falo Deixava
Por sua Ninfa, CĂ©falo deixava
Aurora, que por ele se perdia,
posto que dá princĂpio ao claro dia,
posto que as roxas flores imitava.Ele, que a bela PrĂłcris tanto amava
que sĂł por ela tudo enjeitaria,
deseja de atentar se lhe acharia
tão firme fé como nele achava.Mudado o trajo, tece o duro engano:
outro se finge, preço põe diante,
quebra se a fé mudável, e consente.Ó engenho sutil para seu dano!
Vede que manhas busca um cego amante
para que sempre seja descontente!
Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse
Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂzo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.Ă“ vĂłs que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!