No Mundo Poucos Anos, E Cansados
No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tĂŁo cedo a luz do dia escura,
que nĂŁo vi cinco lustros acabados.Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, nĂŁo quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.Criou-me Portugal na verde e cara
pĂĄtria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na AbĂĄssia fera e avara,
tĂŁo longe da ditosa pĂĄtria minha!
Sonetos sobre Escuro de LuĂs de CamĂ”es
13 resultadosVós, Ninfas Da Gangética Espessura
Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande CapitĂŁo, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Ăurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.Mas um forte LeĂŁo, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.Pois, Ăł Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.
Onde acharei lugar tĂŁo apartado
Onde acharei lugar tĂŁo apartado
E tĂŁo isento em tudo da ventura,
Que, nĂŁo digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitĂĄria, triste e escura,
Sem fonte clara ou plĂĄcida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;Que, pois a minha pena Ă© sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farĂŁo contente.
Diana Prateada, Esclarecia
Diana prateada, esclarecia
com a luz que do claro Febo ardente,
por ser de natureza transparente,
em si, como em espelho, reluzia.Cem mil milhĂ”es de graças lhe influĂa,
quando me apareceu o excelente
raio de vosso aspecto, diferente
em graça e em amor do que soĂa.Eu, vendo-me tĂŁo cheio de favores,
e tĂŁo propĂnquo a ser de todo vosso,
louvei a hora clara, e a noite escura,Sois nela destes cor a meus amores;
donde colijo claro que nĂŁo posso
de dia para vĂłs jĂĄ ter ventura.
Presença Bela, Angélica Figura
Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o CĂ©u tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se estĂĄ rindo a Fermosura;olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos jĂĄ no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;brandura, aviso e graça, que aumentando
a natural beleza cum desprezo,
com que, mais desprezada, mais se aumenta;são as prisÔes de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a sereia na tormenta.
Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata
Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂȘ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva jå sua mudança.Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.
Bem Sei, Amor, que Ă© Certo o que Receio
Bem sei, Amor, que Ă© certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.A mĂŁo tenho metida no meu seio,
E nĂŁo vejo os meus danos Ă s escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?
Quando Se Vir Com Ăgua O Fogo Arder
Quando se vir com ĂĄgua o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os CĂ©us prevalecer;o Amor por razĂŁo mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro estĂĄ nĂŁo ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para nĂŁo deixar nunca de querer-vos.
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, jĂĄ nĂŁo posso ver-te,
TĂŁo asinha esta vida desprezaste!Como jĂĄ pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
CĂĄ nesta BabilĂłnia
CĂĄ nesta BabilĂłnia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
CĂĄ, onde o puro Amor nĂŁo tem valia,
Que a MĂŁe, que manda mais, tudo profana;CĂĄ, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
CĂĄ, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vĂŁo a Deus engana;CĂĄ, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vĂŁo
Ăs portas da Cobiça e da Vileza;CĂĄ, neste escuro caos de confusĂŁo,
Cumprindo o curso estou da natureza.
VĂȘ se me esquecerei de ti, SiĂŁo!
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidĂŁo, qualquer dureza;
Mas nĂŁo pode acabar minha tristeza,
Enquanto nĂŁo quiserdes vĂłs, Senhora.O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
Cantando Estava Um Dia Bem Seguro Quando
Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, SĂlvio me dizia
(SĂlvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):-MĂ©ris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virĂŁo em um sĂł dia
dous lobos; logo a voz e a melodia
te fugirĂŁo, e o som suave e puro.Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!
Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura
GrĂŁo tempo hĂĄ jĂĄ que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiĂȘncia da passada
Me dava claro indĂcio da futura.Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruĂ, nĂŁo fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.Soube Amor da Ventura que a nĂŁo tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossĂveis me mantinha.Mas vĂłs, Senhora, pois que minha estrela
NĂŁo foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que nĂŁo tem a Fortuna poder nela.