Sonetos sobre Espanha de Florbela Espanca

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Meu Mal

A meu irmĂŁo

Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!

Fui tudo que no mundo hĂĄ de maior:
Fui cisne, e lĂ­rio, e ĂĄguia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou, um cĂ­nico riso de Chamfort…

Fui a herĂĄldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mĂŁos aroma aos nardos…
Deu cor ao eloendro a minha boca…

Ah! de Boabdil fui lĂĄgrima na Espanha!
E foi de lĂĄ que eu trouxe esta Ăąnsia estranha,
MĂĄgoa nĂŁo sei de quĂȘ! Saudade louca!

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pĂĄlida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
PÎs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pĂĄlpebras sĂŁo cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
NĂŁo sei se te encontrei, se te perdi…

Teus Olhos

Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palĂĄcios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’AlĂ©m-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
EnigmĂĄticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…

Berço vinde do cĂ©u Ă  minha porta…
Ó meu leite de nĂșpcias irreais!…
Meu sumptuoso tĂșmulo de morta!…