No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse
No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tĂŁo longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado)
jĂĄ sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho jĂĄ, que nĂŁo a tenho.
Sonetos sobre Esperança de LuĂs de CamĂ”es
36 resultadosNão Pode Tirar-me as Esperanças
Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirarå o que eu não tenho.Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lå me esconde
Amor um mal, que mata e nĂŁo se vĂȘ.Que dias hĂĄ que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂȘ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂȘ.
Quando Se Vir Com Ăgua O Fogo Arder
Quando se vir com ĂĄgua o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;o Amor por razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro estĂĄ nĂŁo ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para nĂŁo deixar nunca de querer-vos.
De quem o mesmo Amor nĂŁo se Apartava
JĂĄ a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;Quando o formoso gado se espalhava
De SĂlvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor nĂŁo se apartava.Com verdadeiras lĂĄgrimas, Laurente,
â NĂŁo sei â dizia â Ăł Ninfa delicada,
Porque nĂŁo morre jĂĄ quem vive ausente,Pois a vida sem ti nĂŁo presta nada.
Responde SĂlvio: â Amor nĂŁo o consente,
Que ofende as esperanças da tornada.
Todo O Animal Da Calma Repousava
Todo o animal da calma repousava,
sĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
o triste som das mĂĄgoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade dâoutrem posto estava.Cansado jĂĄ de andar pela espessura,
no tronco dâĂŒa faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:âNunca ponha ninguĂ©m sua esperança
em peito feminil, que, de natura,
somente em ser mudĂĄvel tem firmezaâ.
Doces Despojos de meu Bem Passado
Amor, coâa esperança jĂĄ perdida
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrĂĄgio que passei,
Em lugar dos vestidos, pus a vida.Que mais queres de mim, pois destruĂda
Me tens a glĂłria toda que alcancei?
NĂŁo cuides de render-me, que nĂŁo sei
Tornar a entrar onde nĂŁo hĂĄ saĂda.VĂȘs aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te coâas lĂĄgrimas que choro.
Em Amor nĂŁo hĂĄ SenĂŁo Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tĂŁo cedo;
Eu morro e nĂŁo vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre jĂĄ ficais
Onde vos mostrarĂŁo todos coâo dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor nĂŁo hĂĄ senĂŁo enganos.
Erros Meus, MĂĄ Fortuna, Amor Ardente
Erros meus, mĂĄ Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.Tudo passei; mas tenho tĂŁo presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que jĂĄ as frequĂȘncias suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidĂŁo, qualquer dureza;
Mas nĂŁo pode acabar minha tristeza,
Enquanto nĂŁo quiserdes vĂłs, Senhora.O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse
Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂzo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.Ă vĂłs que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitosâŠ
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!
Se, Despois Dâesperança TĂŁo Perdida
Se, despois dâesperança tĂŁo perdida,
Amor pola ventura consentisse
que inda algĂŒâhora breve alegre visse
de quantas tristes viu tĂŁo longa vida;ĂŒâalma jĂĄ tĂŁo fraca e tĂŁo caĂda,
por mais alto que a sorte me subisse,
nĂŁo tenho para mim que consentisse
alegria tĂŁo tarde consentida.NĂŁo tĂŁo somente Amor me nĂŁo mostrou
umâhora em que vivesse alegremente,
de quantas nesta vida me negou;mas inda tanta pena me consente,
que co contentamento me tirou
o gosto de algĂŒâhora ser contente.
Doces Ăguas E Claras Do Mondego
Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.Bem pudera Fortuna este instrumento
dâalma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.
Converteu-se-me em Noite o Claro Dia
Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influĂam
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
TĂŁo ligeira, que quase era invisĂvel.Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
SerĂĄ de maior mal, se for possĂvel.
JĂĄ A Saudosa Aurora Destoucava
JĂĄ a saudosa Aurora destoucava
os seus cabelos dâouro delicados,
e as flores, nos campos esmaltados,
do cristalino orvalho borrifava;quando o fermoso gado se espalhava
de SĂlvio e de Laurente pelos prados;
pastores ambos, e ambos apartados,
de quem o mesmo Amor nĂŁo se apartava.Com verdadeiras lĂĄgrimas, Laurente,
-NĂŁo sei (dizia) Ăł Ninfa delicada,
porque nĂŁo morre jĂĄ quem vive ausente,pois a vida sem ti nĂŁo presta nada?
Responde SĂlvio:-Amor nĂŁo o consente,
que ofende as esperanças da tornada.
Aquela Que, De Pura Castidade
Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por ĂŒa breve e sĂșbita mudança,
contrĂĄria a sua honra e qualidade(venceu Ă fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memĂłria larga vida!
Foi JĂĄ Num Tempo Doce Cousa Amar
Foi jĂĄ num tempo doce cousa amar,
enquanto mâenganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.à vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana ĂŒa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crĂȘ que hĂĄ de durar!Quem jĂĄ se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razão tem de viver bem magoado.Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranharĂĄ o costumado.