Fuga
Amo um lugar assim, amo os lugares
onde hĂĄ montanhas, selvas, passarinhos…
– onde o giz alvacento dos luares,
Ă noite, faz rabiscos de caminhos…Que bom ficarmos sempre assim, sozinhos…
quantas coisas depois, para lembrares!
Esta calma varanda… os meus carinhos…
Um silĂȘncio… que Ă© mĂșsica, nos ares…A porteira lĂĄ embaixo… a estrada, o fim…
Ah! Se pudéssemos nos esquecer
para onde segue aquela estrada, assim…Ah! Se pudĂ©ssemos pensar que aquela
estrada , ali adiante vai morrer…
– Como a vida, meu Deus, seria bela!
Sonetos sobre Estradas
85 resultadosDizeres Ăntimos
Ă tĂŁo triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!E logo vou olhar (com que ansiedade! …)
As minhas mĂŁos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebĂȘs doentes
Que hĂŁo-de morrer em plena mocidade!E ser-se novo Ă© ter-se o ParaĂso,
Ă ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo Ă© luz e graça e riso!E os meus vinte e trĂȘs anos … (Sou tĂŁo nova!)
Dizem baixinho a rir: âQue linda a vida! …â
Responde a minha Dor: âQue linda a cova!â
Soneto Italiano
Frescuras das sereias e do orvalho,
Graça dos brancos pes dos pequeninos,
Voz das anhĂŁs cantando pelos sinos,
Rosa mais alta no mais alto galho:De quem me valerei, se nĂŁo me valho
De ti, que tens a chave dos destinos
Em que arderam meus sonhos cristalinos
Feitos cinza que em pranto ao vento espalho?TambĂ©m te vi chorar… TambĂ©m sofreste
A dor de ver secarem pela estrada
As fontes da esperança… E nĂŁo cedeste!Antes, pobre, despida e trespassada,
Soubeste dar Ă vida, em que morreste,
Tudo – Ă vida, que nunca te deu nada!
A Cavalgada
A lua banha a solitĂĄria estrada…
SilĂȘncio!… mas alĂ©m, confuso e brando,
O som longĂnquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.São fidalgos que voltam da caçada;
VĂȘm alegres, vĂȘm rindo, vĂȘm cantando,
E as trompas a soar vĂŁo agitando
O remanso da noite embalsamada…E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se apĂłs no centro da montanha…E o silĂȘncio outra vez soturno desce,
E lĂmpida, sem mĂĄcula, alvacenta
A lua a estrada solitĂĄria banha…
Ă Virgens!
Ă virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar…Cantae-me, n’essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzĂ”es antigasQue eu vi morrer n’um sonho, como um ai…
Ă suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n’essa voz… Cantae!
Sonetos
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidÔes remotas,
Batem as asas todos os sonetos.VĂŁo — por estradas, por difĂceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.Com a brunida lĂąmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂmpidas, gentis,Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de ĂĄureos colibris.
MĂĄgoas
Quando nasci, num mĂȘs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.Mais tarde da existĂȘncia nos verdores
Da infĂąncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infĂąncia nunca teve flores!Volvendo Ă quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mĂĄgoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!
Infeliz
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida,
Tu que, na estrada da existĂȘncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂȘncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Ăs flores da Esperança enlanguescida;Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă Natureza o sofrimento,E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida.
Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pĂ©s do caminhante.Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»â NĂŁo temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma â
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas ĂĄrvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mĂĄgoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lĂĄ doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cĂĄ mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lĂĄgrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Beatriz
Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por Ănvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.Tive sonhos de louco, Ă FernĂŁo Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o ĂŽnix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressĂĄbios
De amarguras, de dor, de desenganos.Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lĂĄbios
E os dois grandes topĂĄzios dos seus olhos!
Eu
Sou louco e tenho por memĂłria
Uma longĂnqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitĂłria
Que sonhei ter quando criança.Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro sĂł faz rico
Um frio perdido que me cobreComo um céu dossel de mendigo,
Na curva inĂștil em que fico
Da estrada certa que nĂŁo sigo.
A uma Rapariga
Ă Nice
Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mĂŁos preciosas de menina.Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!Trata por tu a mais longĂnqua estrela,
Escava com as mĂŁos a prĂłpria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir Ă luz a haste duma flor!…
Regina Martyrum
LĂrio do CĂ©u, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –SĂȘ tu a mĂŁo que me conduza ao porto…
Ă doce mĂŁe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!
O Amor E A Morte
(com tema de Augusto dos Anjos)
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
â Ăł Corça branca, Ăł ruiva Leoparda.O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.VĂȘ: um dia, a bigorna desses Paços
cortarå, no martelo de seus aços,
e o sangue, hĂŁo de abrasĂĄ-lo os inimigos.E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirĂĄ, contra nĂłs, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos DragÔes antigos.
Renascimento
A OlegĂĄria Siqueira
Manhã de rosas. Lå no etéreo manto,
O sol derrama lĂșcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.Quero viver! Hå quanto tempo, quanto!
NĂŁo venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando Ă vida, esquece as dores.Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como Ă© suave a voz dos passarinhos
Neste tranqĂŒilo e plĂĄcido deserto!Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!
Por QuĂȘ ?
Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,
talvez nenhum de nĂłs saiba explicar porque,
– vocĂȘ deixou de ser o que era antigamente
e o que era antigamente eu jĂĄ nĂŁo sou, se vĂȘ…Eu era um seu amigo. E pra mim, vocĂȘ
por muito tempo foi a amiga e a confidente,
– deixei-a ler, assim como um cigano lĂȘ
nas mĂŁos, toda a minha alma indiferentemente…Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,
ate que certo dia… (e eu nĂŁo lhe disse nada
nem vocĂȘ disse nada) nĂłs nos afastamos…Hoje vocĂȘ me evita… Hoje evito a vocĂȘ…
E seguimos entĂŁo, cada um por sua estrada
sem que nenhum de nĂłs saiba explicar porque…
Ela Ia, Tranquila Pastorinha
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdĂŁo,
O seu rebanho, a saudade minha…“Em longes terras hĂĄs de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vĂŁo…
Seu vulto perde-se na escuridĂŁo…
SĂł sua sombra ante meus pĂ©s caminha…Deus te dĂȘ lĂrios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
SerĂĄs, rainha nĂŁo, mas sĂł pastoraSĂł sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…
Ambos
VĂŁo pela estrada, Ă margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂmpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as cançÔes e os tropos singulares
Dos inefåveis, meigos passarinhos.Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂȘmulos arpejos,
E as reticĂȘncias que produz o vago.
Presença
SĂł saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memĂłria (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa Ă©gua dos minutos,onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruĂda.
Essa presença, em passos e pegadas,passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.