Ironia De Lágrimas
Junto da Morte Ă© que floresce a Vida!
Andamos rindo junto Ă sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova Ă© como flor apodrecida.A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lĂşgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!
Sonetos sobre Estranhos de Cruz e Souza
52 resultadosEnclausurada
Ă“ Monja dos estranhos sacrifĂcios,
Meu amor imortal, Ave de garras
E asas gloriosas, triunfais, bizarras,
Alquebradas ao peso dos cilĂcios.Reclusa flor que os mais revĂ©is flagĂcios
Abalaram com as trágicas fanfarras,
Quando em formas exĂłticas de jarras
Teu corpo tinha a embriaguez dos vĂcios.Para onde foste, Ăł graça das mulheres,
Graça viçosa dos vergéis de Ceres
Sem que o meu pensamento te persiga?!Por onde eternamente enclausuraste
Aquela ideal delicadeza de haste,
De esbelta e fina ateniense antiga?!
HĂłstias
A EmĂlio de Menezes
Nos arminhos das nuvens do infinito
Vamos noivar por entre os esplendores,
Como aves soltas em vergéis de flores,
Ou penitentes de um estranho rito.Que seja nosso amor — sidĂ©rio mito! —
O lĂmpido turĂbulo das dores,
Derramando o incenso dos amores
Por sobre o humano coração aflito.Como num templo, numa clara igreja,
Que o sonho nupcial gozado seja,
Que eu durma e sonhe nos teus nĂveos flancos.Contigo aos astros fĂşlgidos alado,
Que sejam hĂłstias para o meu noivado
As flores virgens dos teus seios brancos!
MĂşsica Da Morte
A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂşpia dolorosa…Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ă“pio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina…
Lembranças Apagadas
Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, Ăł LĂrio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ăntimos recatos.Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,Tanto martĂrio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…
VisĂŁo Da Morte
Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intĂ©rminos, desertos…Do teu perfil os tĂmidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lĂvidos martĂrios,
De agonies, de mágoa funerária…E causas febre e horror, frio, delĂrios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarĂŁo dos cĂrios!
Conciliação
Se essa angĂşstia de amar te crucifica,
NĂŁo Ă©s da dor um simples fugitivo:
Ela marcou-te com o sinete vivo
Da sua estranha majestade rica.És sempre o Assinalado ideal que fica
Sorrindo e contemplando o céu altivo;
Dos Compassivos Ă©s o compassivo,
Na Transfiguração que glorifica.Nunca mais de tremer terás direito…
Da Natureza todo o Amor perfeito
Adorarás, venerarás contrito.Ah! Basta encher, eternamente basta
Encher, encher toda esta Esfera vasta
Da convulsão do teu soluço aflito!
Deus Do Mal
EspĂrito do Mal, Ăł deus perverso
Que tantas almas dĂşbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a prĂłpria luz e a prĂłpria sombra tentas.SĂmbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.Toda a tua sinistra trajetória
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mĂłrbidas do Inferno…És Mal, mas sendo Mal Ă©s soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
RĂ©probo estranho do PerdĂŁo eterno!
Anima Mea
Ă“ minh’alma, Ăł minh’alma, Ăł meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde é que vem toda esta mágoa fina
Que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluĂda e sempiterna mágoa?Ah! de onde vem toda essa estranha essĂŞncia
De tanta misteriosa TranscendĂŞncia
Que estes olhos me dixam rasos de água?!
Encarnação
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos…Sonhos, que vĂŁo, por trĂŞmulos adejos,
A noite, ao luar, intumescer os seios
Lácteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos…Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as Visões do amor dormem geladas…Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
Formem, com claridades e fragrâncias,
A encarnação das lĂvidas Amadas!
O Grande Momento
Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vĂŁo te consagrar Artista.Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidĂ©reo.Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!
Dança Do Ventre
Torva, febril, torcicolosamente,
Numa espiral de elétricos volteios,
Na cabeça, nos olhos e nos seios
FluĂam-lhe os venenos da serpente.Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
Que convulsões, que lúbricos anseios,
Quanta volĂşpia e quantos bamboleios,
Que brusco e horrĂvel sensualismo quente.O ventre, em pinchos, empinava todo
Como reptil abjecto sobre o lodo,
Espolinhando e retorcido em fúria.Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,
Do demĂ´nio sangrento da luxĂşria!
SilĂŞncios
Largos SilĂŞncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais lĂmpido cortejo…Eu vos sinto os mistĂ©rios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!
GlĂłrias Antigas
Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os mĂşsculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.Dentre estandartes, flâmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
RuĂdos de alegria estranha e louca.Chegam por fim, Ă pátria vitoriosa…
E entĂŁo, da ardente glĂłria belicosa,
Há um grito vermelho em cada boca!
Ideal Comum
(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).
Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recĂ´nditos, vivazes.Lembras lĂrios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;E teus seios, olĂmpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.
MĂşmia
MĂşmia de sangue e lama e terra e treva,
PodridĂŁo feita deusa de granito,
Que surges dos mistérios do Infinito
Amamentada na lascĂvia de Eva.Tua boca voraz se farta e ceva
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para és limbos leva.Báratros, criptas, dédalos atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
Uivos tremendos com luxĂşria e cio…Ris a punhais de frĂgidos sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!…
Sexta-Feira Santa
Lua absĂntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂcio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂŞncias de gangrena!
Visionários
Armam batalhas pelo mundo adiante
Os que vagam no mundos visionários,
Abrindo as áureas portas de sacrários
Do Mistério soturno e palpitante.O coração flameja a cada instante
Com brilho estranho, com fervores vários,
Sente a febre dos bons missionários
Da ardente catequese fecundante.Os visionários vão buscar frescura
De água celeste na cisterna pura
Da Esperança, por horas nebulosas…Buscam frescura, um outro novo encanto…
E livres, belos através do pranto,
Falam baixo com as almas misteriosas!
Mundo InaccessĂvel
Tu’alma lembra um mundo inaccessĂvel
Onde só astros e águias vão pairando,
Onde só se escuta, trágica, cantando,
A sinfonia da AmplidĂŁo terrĂvel!Alma nenhuma, que nĂŁo for sensĂvel,
Que asas nĂŁo tenha para as ir vibrando,
Essa regiĂŁo secreta desvendando,
Falece, morre, num pavor incrĂvel!É preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruĂdos de fanfarras
Do mundo da tu’alma augusta e forte.É preciso subir Ăgneas montanhas
E emudecer, entre visões estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte!
Boca
III
Boca viçosa, de perfume a lĂrio,
Da lĂmpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assĂrio.Boca para deleites e delĂrio
Da volĂşpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arcanjos na amplidĂŁo do EmpĂrio,Boca de OfĂ©lia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos…Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tĂłxicos secretos…