Lápide
(com tema de Virgílio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo)Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundidoque, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!
Sonetos sobre Estranhos
146 resultadosAnima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.Era de ver a fúnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu não busco o teu corpo… Era um troféu
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»
Diferente
Buscando o vão Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hà sentido…E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas têm bebido!
Requiescat
Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memória,
Dorme tranqüila no esplendor da glória,
Longe das amarguras do cansaço…Ilusão, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flórea,
Quando as visões da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…Ó Ilusão! Estranha caravana
de águias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarão do Oriente.Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…
Renascimento
A Alma não fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do Sentimento
Abrem já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!Chamas novas e belas vão raiando,
Vão se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando…E pela curva dos longínquos ares
Ei-las que vêm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…
A Giganta
No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava à terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d’uma rainha!Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveisPercorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente soloEu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente à sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!Tradução de Delfim Guimarães
Insónia
Noite calada, como num lamento,
A voz das coisas ponho-me a escutar,
E ela vai, vai subindo ao Firmamento,
Num murmúrio constante, a soluçar.Noites de Outono, como chora o vento…
Noites sem brilho, noites sem luar.
Noites de Outono, sois o meu tormento,
Tombam as folhas, ponho-me a cismar.Noite morta. Lá fora a ventania
Passa rezando estranha litania,
Como sinos dobrando ao entardecer.Vento que choras, dolorido canto,
Unge meus olhos, deixa-mos em pranto,
Para melhor assim adormecer.
Afrodite II
Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mármore luzindo
Alvirróseo do peito, – nua e fria,
Ela é a filha do mar, que vem sorrindo.Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pérolas, – sorria
Ao vê-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de âmbar no recesso infindo.Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pêlo
Nas águas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;Vêm a saudá-la todos, revoando,
Golfinhos e tritões, em larga ronda,
Pelos retorsos búzios assoprando.
Meu Mal
A meu irmão
Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!Fui tudo que no mundo há de maior:
Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou, um cínico riso de Chamfort…Fui a heráldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mãos aroma aos nardos…
Deu cor ao eloendro a minha boca…Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!
Soneto Já Antigo
Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás deLondres p’ra Iorque, onde nasceste (dizes…
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,Embora não o saibas, que morri…
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará… Depois vai dara notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande…
Raios partam a vida e quem lá ande!
Nihil Novum
Na penumbra do pórtico encantado
De bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egipto com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!…
O silêncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado…Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bárbara e deserta,Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida — o mesmo estranho mal,
E o coração — a mesma chaga aberta!
Esterilidade
Ao vê-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles répteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
Insensível à dor, ao sofrimento humano.Seus olhos têem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,Onde tudo é fulgor, ouro, metais, diamantes
Vê-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade!Tradução de Delfim Guimarães
Deixai Que Deste Álbum Na Folha Delicada
Deixai que deste álbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!…Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!…
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarão à campa amargurada!Porém qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos pávidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, és tu, ó luz querida!…Rasguemos do porvir os áditos, os véus!…
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!…
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!
Aspiração Suprema
Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.Tem ais de dor de trêmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etéreo e louro trigo.E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.
Fatalismo
Se eu for contar, hão de sorrir talvez…
– é o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre…Morreu… e que se apague de uma vez,
– que dele nada subsista ou sobre…
– onde a pureza e o amor?… se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado!Que o guardem!.. . Para os ricos! Para os reis!
– o amor que eu quero não tem preço ao lado,
não tem correntes, nem conhece leis!
Ermida
Lá onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como está tão pobre,
Aquela ermida como está tão triste.A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovões resisteE as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusões da sorte.
Na Mazurka
Morava num palácio — estranha Babilônia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jônia.Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de Séfora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os místicos sigilos!E quando nos saraus, assim como um rainúnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,Ou como o sol em cheio e rubro sobre o Bósforo,
— nos crânios os Homens sentiam ter mais fósforo…
Ao vê-la escultural no passo da Mazurka…
Espera…
Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…
Satã
Capro e revel, com os fabulosos cornos
Na fronte real de rei dos reis vetustos,
Com bizarros e lúbricos contornos,
Ei-lo Satã dentre os Satãs augustos.Por verdes e por báquicos adornos
Vai c’roado de pâmpanos venustos
O deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,
A púrpura das glórias flamejantes,
Alarga as asas de relevos bravos…O Sonho agita-lhe a imortal cabeça…
E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!
Caminho Da Glória
Este caminho é cor de rosa e é de ouro,
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminhOs seres virginais que vêm da Terra,
Ensangüentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.