Sonetos sobre Estrelas de Cruz e Souza

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Sonetos de estrelas de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Beleza Morta

De leve, louro e enlanguescido helianto
Tens a flĂłrea dolĂȘncia contristada…
HĂĄ no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura destronada.

No corpo, de um letĂĄrgico quebranto,
Corpo de essĂȘncia fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.

Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarĂŁo de Estrela acesa…

Como que ainda os derradeiros haustos
De opulĂȘncias, de pompas e de faustos,
As relĂ­quias saudosas da beleza.

Supremo Desejo

Eternas, imortais origens vivas
Da Luz, do Aroma, segredantes vozes
Do mar e luares de contemplativas,
Vagas visĂ”es volĂșpicas, velozes…

Aladas alegrias sugestivas
De asa radiante e branca de albornozes,
Tribos gloriosas, fulgidas, altivas,
De condores e de ĂĄguias e albatrozes…

Espiritualizai nos Astros louros,
Do sol entre os clarÔes imorredouros
Toda esta dor que na minh’alma clama…

Quero vĂȘ-la subir, ficar cantando
Na chama das Estrelas, dardejando
Nas luminosas sensaçÔes da chama.

O Coração

O coração é a sagrada pira
Onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.

Um anjo meigo e cĂąndido suspira
No coração e o purifica e beija…
E o que ele, o coração, aspira, almeja
É o sonho que de lágrimas delira.

É sempre sonho e tambĂ©m Ă© piedade,
Doçura, compaizão e suavidade
E graça e bem, misericórdia pura.

Uma harmonia que dos anjos desce,
Que como estrela e flor e som floresce
Maravilhando toda criatura!

CĂĄrcere Das Almas

Ah! Toda a alma num cĂĄrcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhÔes as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisÔes colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silĂȘncios solitĂĄrios, graves,
que chaveiro do CĂ©u possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Natureza

Aos Poetas

Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavĂ­ssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.

Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dĂĄs a quem deseja
Vigor, saĂșde a crença que floreja,
Que as expansÔes do cérebro revela.

Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sĂŁos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!

Esse da idĂ©ia esplĂȘndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…

Ser Dos Seres

No teu ser de silĂȘncio e d’esperança
A doce luz das AmplidÔes flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.

Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.

Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mĂĄgicos poderes.

E traz, embora os íntimos cansaços,
Ânsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhĂŁo dos Seres!

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Sonho Branco

De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!…
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas purĂ­ssimas nascido.

Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, lĂ­mpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido…

As aves sonorizam-te o caminho…
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dĂŁo-te um ar nevado…

No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frĂĄgil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trĂȘmulo mendigo
Oscilante, sonĂąmbulo, erradio.
É como um tĂȘnue, cristalino fio
D’estrelas, como etĂ©reo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.

Eternos Atalaias

Os sentimentos servem de atalaias
Para guiar as multidÔes errantes
Que caminham tremendo, vacilantes
Pelas desertas, infinitas praias…

Abrangendo da Terra as fundas raias,
Atingindo as esferas mais distantes,
SĂŁo como incensos, mirras odorantes,
Miraculosas, fĂșlgidas alfaias.

Tudo em que logo transfiguram,
Encantam tudo,tudo em torno apuram,
Penetram, sem cessar, por toda parte.

Alma por alma em toda a parte enflamam.
E grandes, largos, imortais, derramam
As melancĂłlicas estrelas d’Arte!

ProdĂ­gio!

Como o Rei Lear nĂŁo sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o cĂ©u d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.

A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em mĂșsicas rebenta.

Em mĂșsicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistĂ©rio singular, nevoento…

Ah! sĂł da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!

LĂ­rio Lutuoso

EssĂȘncia das essĂȘncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dĂĄ-me a glĂłria de celeste EmpĂ­reo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mĂĄgicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dĂĄ-me a glĂłria do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lĂĄgrimas acerbas do teu luto!.

VisĂŁo Guiadora

Ó alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lñnguida beleza
Nas cadeias das lĂĄgrimas cativa.

FrĂĄgil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂșsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visÔes dos desolados.

Ó tu que Ă©s boa e porque Ă©s boa Ă©s bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

Êxtase BĂșdico

Abre-me os braços, Solidão profunda,
ReverĂȘncia do cĂ©u, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!

Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dĂĄ-me essa castidade,
As azuis florescĂȘncias da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!

As estrelas cativas no teu seio
DĂŁo-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!

Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e bĂșdica Noite Redentora!

Humildade Secreta

Fico parado, em ĂȘxtase suspenso,
Às vezes, quando vou considerando
Na humildade simpĂĄtica, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.

Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂŽmeno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.

De onde nĂŁo sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂ­mpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.

Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lĂĄgrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em JordÔes imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!

Ao EstrĂ­dulo Solene Dos Bravos

– Os TrĂłpicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dĂĄ vivas!…

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! Ă­dolo da arte!…
– O sol pĂĄra o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idĂ©ias.

A velha natureza escreve-te odissĂ©ias…
A estrela, a nĂ­vea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!

Perpassam vagos sons na harpa do mistério
LĂĄ, quando no proscĂȘnio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidĂ©rio!

EntĂŁo da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…

Madona Da Tristeza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂ­mida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lĂĄgrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mĂĄgoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitĂĄria madona da Tristeza!

Olavo Bilac

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiaçÔes puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebĂȘ-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lĂșcidas paisagens,
Vestido das mais fluĂ­dicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarĂ”es imersos…

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto Ă s almas,
Na eterna florescĂȘncia dos meus versos.

Carnal E MĂ­stico

Pelas regiÔes tenuíssimas da bruma
Vagam as Virgens e as Estrelas raras…
Como que o leve aroma das searas
Todo o horizonte em derredor perfume.

N’uma evaporação de branca espuma
VĂŁo diluindo as perspectives claras…
Com brilhos crus e fĂșlgidos de tiaras
As Estrelas apagam-se uma a uma.

E entĂŁo, na treva, em mĂ­sticas dormĂȘncias
Desfila, com sidĂ©reas lactescĂȘncias,
Das Virgens o sonĂąmbulo cortejo…

Ó Formas vagas, nebulosidades!
EssĂȘncia das eternas virgindades!
Ó intensas quimeras do Desejo…