Sonetos sobre Estrelas de Cruz e Souza

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Sonetos de estrelas de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Ave! Maria

Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia…

Nuvem d’incensos atravĂ©s da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o ĂłrgĂŁo vai plangendo grave
A profunda e gemente litania…

Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado…

Ă“ Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!

Acima De Tudo

Da gota d’água de um carinho agreste
Geram-se os oceanos da Bondade.
O coração que é livre e bom reveste
Tudo d’encanto e simples majestade.

Ascender para a Luz Ă© ser celeste,
Novos astros sentir na imensidade
Da alma e ficar nessa inconsĂştil veste
Da divina e serena claridade.

O que Ă© consolador e o que Ă© supremo
Cada alma encontra no caminho extremo,
Quando atinge Ă s estrelas da pureza.

É apenas trazer o Ser liberto
De tudo e transformar cada deserto
Num sonho virginal da Natureza!

Abrigo Celeste

Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.

Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que Ă©s a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.

Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres sĂł encontra joio
Mas sĂł no teu todo o divino trigo.

Sou como um cego sem bordĂŁo de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.

Luar

Ao longo das lourĂ­ssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nĂ­tido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarĂŁo em flocos d’escomilha.

Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nĂ­vea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…

Sinfonias Do Ocaso

Musselinosas como brumas diurnas
Descem do acaso as sombras harmoniosas,
Sombras veladas e musselinosas
Para as profundas solidões noturnas.

Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da lua e das Estrelas majestosas
Iluminando a escuridĂŁo das furnas.

Ah! por estes sinfĂ´nicos ocasos
A terra exala aromas de áureos vasos,
Incensos de turĂ­bulos divinos.

Os plenilĂşnios mĂłrbidos vaporam…
E como que no Azul plangem e choram
CĂ­taras, harpas, bandolins, violinos…

Luz Dolorosa

Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As Estrelas dos límpidos Sacrários
A nĂ­vea Lua sobre a paz dos fenos.

Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários…
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos…

Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias…

Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisĂ­veis
Com o tĂłxico das cĂłleras sombrias…

O Sonho Do AstrĂłlogo

As fulgurosas, rĂştilas estrelas
Como mundos de mundos seculares,
Formando uns arquipélagos, uns mares
De luz — como eu deslumbro o olhar ao vĂŞ-las.

Ah! se como eu sei compreendĂŞ-las,
Sentir-lhes os seus filtros salutares,
Pudesse, da amplidĂŁo fria dos ares
Arrancá-las, na mão sempre trazê-las;

Que vagalhões de assombros palpitantes
NĂŁo me viriam perpassar, faiscantes,
Dentro do ser, nuns doutros murĂşrios.

Eu saberia muito mais a causa
Da evolução que nunca teve pausa,
Que é uma audácia transbordando em rios.

Cruzada Nova

Vamos saber das almas os segredos,
Os círculos patéticos da Vida,
Dar-lhes a luz do Amor compadecida
E defendĂŞ-las dos secretos medos.

Vamos fazer dos áridos rochedos
Manar a água lustral e apetecida,
Pelos ansiosos corações bebida
No silĂŞncio e na sombra d’arvoredos.

Essas irmĂŁs furtivas das estrelas,
Se nĂŁo formos depressa defendĂŞ-las,
MorrerĂŁo sem encanto e sem carinho.

Paladinos da lĂ­mpida Cruzada!
Conquistemos, sem lança e sem espada,
As almas que encontrarmos no Caminho.

Inefável!

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂŞncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!

O Assinalado

Tu Ă©s o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra Ă© sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu Ă©s o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Dilacerações

Ă“ carnes que eu amei sangrentamente,
Ă“ volĂşpias letais e dolorosas,
EssĂŞncias de heliĂłtropos e de rosas
De essĂŞncia morna, tropical, dolente…

Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…

Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores…

Regenerada

De mĂŁos postas, Ă  luz de frouxos cĂ­rios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂ­reos
Das Orações o doloroso rito.

Todos os mais recĂ´nditos martĂ­rios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lírios,
Num trĂŞmulo de frases inaudito.

Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂ­sticos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.

Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.