ProdĂgio!
Como o Rei Lear nĂŁo sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o cĂ©u d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em mĂşsicas rebenta.Em mĂşsicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistĂ©rio singular, nevoento…Ah! sĂł da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!
Sonetos sobre Estrelas
172 resultadosMe Vejo com MemĂłrias Perseguido
Se quando vos perdi, minha esperança,
A memĂłria perdera juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.De cousas de que apenas um sinal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memĂłrias perseguido.Ah dura estrela minha! Ah grĂŁo tormento!
Que mal pode ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que é já passado?
Cantares Bacantes (I)
O mar lava a concha cava
e cava concha lava o mar
como a lĂngua limpa lava
tua concha antes de amar.DelĂrio da estrela d’alva
mistério da preamar
vinda e volta abrindo a aldrava
da concha do paladar.Oh minhas parcas de mel!
Eu me afogo em mar vinho
Ă espera de algum batel.Sou cantador de cordel:
estĂłrias sabor marinho
bacantes da moscatel.
Soneto II – A Uma Inconstante
De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bárbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.No seio d’alma, já dilacerado,
Negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.
Falando com o Mondego Estando Saudoso
Como Ă©, Mondego, igual ao nascimento
O meu choro ao que a ti te desempenha;
Pois se o teu pranto nasce duma penha,
De um penhasco se causa o meu lamento.Tu do mal, que padeço, estás isento,
Porque abrandas chorado a tosca brenha,
Mas Fillis mais que serra me desdenha,
Quando as ruas correntes acrescento.Se pois a serra dura tanto zela
O teu chorar, que o áspero desterra,
E o meu pranto endurece a Fillis bela;Por teres mais alivio, ou menos guerra
Chora tu, pois na serra tens estrela,
Eu nĂŁo, que sem estrela amo uma serra.
Coração Solitário
A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
NĂŁo existe esta rua – Ă© um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.Ouço meu coração ardente e solitário
com sua mĂşsica estranha de piano bĂŞbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.MĂşsica indefinida a encher a solidĂŁo:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.
Lirial
Por que choras assim, tristonho lĂrio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P’ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do cĂrio?!Baixa a mim, irmĂŁ pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do MartĂrio;
Envolto da tristeza no delĂrio,
Deixa beijar-te a face que descora!Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa, onde nĂŁo pousa a desventura.Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir Ă sombra da ventura!
Soneto 270 A Dercy Gonçalves
Recusa-se a morrer. Não morrerá.
Talvez caricatura, a sua vida,
vestal, velha vedete travestida,
inverte o que o pariu pra puta vá.Vai ser a cibernética babá
de toda meninice reprimida.
Ninguém faz saturnal se não convida
a nossa sideral gueixa gagá.Mostrou a perereca da vizinha
apenas pra alegrar a garotada.
Com ela Ă© pau no cu da carochinha.PĂ´s cada palavrĂŁo numa piada.
Passou. Não passará. Brilha sozinha.
Estrela d’Alva, salva da alvorada.
Arrependimento
Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alĂvio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
NĂŁo vale o que te dei de encantamento.Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.Hoje, ambos Ă mercĂŞ de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que nĂŁo te esqueça.Padecemos idĂŞntico suplĂcio:
Tu – corroĂda de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifĂcio.
As Almas Das Cigarras
As cigarras morreram… Todavia
Sinto um leve rumor tranqĂĽilo e lento
Que vai, de ramaria em ramaria,
Lento e tranqĂĽilo como o pensamento.As cigarras nĂŁo sĂŁo, porque, outro dia,
Vi que soltavam o Ăşltimo lamento…
E o vento? Deve ser a alma do vento
Que entre os ramos das árvores cicia…Entretanto o rumor parece eterno…
Agora que as estrelas se acenderam,
Vibra num coro, em serenata, ao luar…Contam os lavradores que, no inverno,
As almas das cigarras que morreram
Ressuscitam nas folhas a cantar.
LĂrio Lutuoso
EssĂŞncia das essĂŞncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂrio,
Oh! dá-me a glĂłria de celeste EmpĂreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂrio,
Das Ă‚nsias, da Vertigem, do DelĂrio,
Vou em busca de mágicas estradas.Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂrio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.
VisĂŁo Guiadora
Ă“ alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂşsica aflitiva.Alma de acerbo, amargurado exĂlio,
Perdida pelos cĂ©us num vago idĂlio
Com as almas e visões dos desolados.Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.
Em uma Tarde de Outono
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…Por que, belo navio, ao clarĂŁo das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarĂŁo nascente do arrebol…
A Vida
“A Vida”
III
“… A vida Ă© assim, segue e verás, – a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida…Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida…
– amanhĂŁ, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida…A vida Ă© assim, Ă© um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança…E enquanto as sombras chegam, nĂłs, ao vĂŞ-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!…”
ĂŠxtase BĂşdico
Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescĂŞncias da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!As estrelas cativas no teu seio
DĂŁo-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e bĂşdica Noite Redentora!
O Amor nĂŁo Tem Nenhuma Parte Terrena
Por ser maior o cerco de ouro ardente
do sol que o globo opaco que Ă© a terra,
e menor que este o que Ă lua encerra
as trĂŞs caras que mostra diferente,ora a vemos minguante, ora crescente,
ora na sombra o eclipse a enterra;
porém aos seis planetas não faz guerra,
nem uma estrela sua injĂşria sente.A fogueira do meu amor, cravada
no zénite do vasto firmamento,
não baixa em sombras ou está eclipsada.Manchas da terra não as experimento:
que sua noite dista da sagrada
região onde minha fé tem seu assento.Tradução de José Bento
Humildade Secreta
Fico parado, em ĂŞxtase suspenso,
Ă€s vezes, quando vou considerando
Na humildade simpática, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂ´meno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.De onde não sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂmpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.
Alma Mater
Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancasE sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…Derrama os lĂrios, os teus lĂrios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!
O Seu Nome Ă© Muito PrĂłprio Dela
O seu nome Ă© gracioso e muito prĂłprio dela:
Respira um vago tom de mĂşsica inocente;
E lembra a placidez de um lago transparente;
Recorda a emanação tranquila duma estrela.Lembra um tĂtulo bom, que logo nos revela
A ideia do poema. E todo o mundo sente
NĂŁo sei que afinidade entre o seu ar dolente,
a sua morbidezza, e o prĂłprio nome dela.E chego acreditar – ingenuamente o digo –
Que havia um nome em branco, e Deus pensa consigo
Em traduzi-lo enfim numa expressĂŁo qualquer:De forma que a mulher suave e graciosa
Faz parte deste nome um tanto cor-de-rosa,
E este nome gentil faz parte da mulher.
Ao EstrĂdulo Solene Dos Bravos
–Â Os TrĂłpicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dá vivas!…Ao estrĂdulo solene dos bravos! das platĂ©ias,
Prossegues altaneira, oh! Ădolo da arte!…
– O sol pára o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idĂ©ias.A velha natureza escreve-te odissĂ©ias…
A estrela, a nĂvea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
– Oh! ĂŤbis magistral do mundo azul – sidĂ©rio!EntĂŁo da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…