Quinze Anos
Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braços de rocha negra, ingentes,
Bem como braços colossais aranhas.D’ali o nosso olhar vĂŞ tĂŁo estranhas
Coisas, por esse céu! e tão ardentes
Visões, lá n’esse mar de ondas trementes!
E Ă s estrelas, d’ali, vĂŞ-as tamanhas!Amo a grandeza misteriosa e vasta…
A grande ideia, como a flor e o viço
Da árvore colossal que nos domina…Mas tu, criança, sĂŞ tu boa… e basta:
Sabe amar e sorrir… Ă© pouco isso?
Mas a ti sĂł te quero pequenina!
Sonetos Exclamativos de Antero de Quental
76 resultadosA Germano Meireles
SĂł males sĂŁo reais, sĂł dor existe:
Prazeres sĂł os gera a fantasia;
Em nada[, um] imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.Se buscamos o que Ă©, o que devia
Por natureza ser nĂŁo nos assiste;
Se fiamos num bem, que a mente cria,
Que outro remĂ©dio há [aĂ] senĂŁo ser triste?Oh! Quem tanto pudera que passasse
A vida em sonhos sĂł. E nada vira…
Mas, no que se nĂŁo vĂŞ, labor perdido!Quem fora tĂŁo ditoso que olvidasse…
Mas nem seu mal com ele entĂŁo dormira,
Que sempre o mal pior Ă© ter nascido!
Mais Luz!
(A Guilherme de Azevedo)
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossĂveis,
E os que inclinam, mudos e impassĂveis,
Ă€ borda dos abismos silenciosos…Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensĂveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!
Palavras d’um Certo Morto
Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, Ă chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…SĂł o espĂrito vive: vela absorto
N’um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto sĂł… do resto nĂŁo me importo…Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me.Como se eu fosse alguĂ©m! como se a Vida
Podesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!
Nocturno
EspĂrito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu sĂł entendes bem o meu tormento…Como um canto longĂnquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Divina Comédia
Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisĂveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassĂveis,
A quem serve o destino triunfante,Porque Ă© que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e sĂł gera, inestinguĂveis,
Dor, pecado, ilusĂŁo, lutas horrĂveis,
N’um turbilhĂŁo cruel e delirante…Pois nĂŁo era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda nĂŁo existe,
Ter ficado a dormir eternamente?Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»
Em Viagem
Pelo caminho estreito, aonde a custo
Se encontra uma sĂł flor, ou ave, ou fonte,
Mas só bruta aridez de áspero monte
E os soes e a febre do areal adusto,Pelo caminho estreito entrei sem susto
E sem susto encarei, vendo-os defronte,
Fantasmas que surgiam do horizonte
A acommeter meu coração robusto…Quem sois vĂłs, peregrinos singulares?
Dor, TĂ©dio, Desenganos e Pesares…
Atraz d’eles a Morte espreita ainda…Conheço-vos. Meus guias derradeiros
Sereis vĂłs. Silenciosos companheiros,
Bemvindos, pois, e tu, Morte, bemvinda!
Na Capela
Na capela, perdida entre a folhagem,
O Cristo, lá no fundo, agonisava…
Oh! como intimamente se casava
Com minha dor a dor d’aquela imagem!Filhos ambos do amor, igual miragem
Nos roçou pela fronte, que escaldava…
Igual traição, que o afecto mascarava,
Nos deu suplĂcio ás mĂŁos da vilanagem…E agora, ali, em quanto da floresta
A sombra se infiltrava lenta e mesta,
Vencidos ambos, mártires do Fado,Fitavamo-nos mudos — dor igual! —
Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual
Mais palido, mais triste e mais cansado…
Intimidade
Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela – e se te nĂŁo comparo Ă rosa,
É que a rosa, bem vĂŞs, passou de moda…Anda-me Ă s vezes a cabeça Ă roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidĂŁo ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.Mas Ă© na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!E nĂŁo te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,
Juras – mentindo – que me tens amor…
NĂŁo Busco N’esta Vida GlĂłria ou Fama
NĂŁo busco n’esta vida glĂłria ou fama:
Das turbas que me importa o vĂŁo ruĂdo?
Hoje, deus… e amanhĂŁ, já esquecido
Como esquece o clarão de extincta chama!Foco incerto, que a luz já mal derrama,
Tal Ă© essa ventura: eccho perdido,
Quanto mais se chamou, mais escondido
Ficou inerte e mudo á voz que o chama.D’essa coroa Ă© cada flor um engano,
É miragem em nuvem ilusoria,
É mote vão de fabuloso arcano.Mas coroa-me tu: na fronte inglória
Cinge-me tu o louro soberano…
Verás, verás então se amo essa glória!
Lacrimae Rerum
Noite, irmĂŁ da RazĂŁo e irmĂŁ da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vĂŁo busca a certeza que o conforte?Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…É tudo, em torno a mim, dĂşvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…
Voz Interior
(A JoĂŁo de Deus)
Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
AtravĂ©s d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrĂvel, monĂłtono vaivĂ©m…SĂł no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
MĂŁe…
Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mĂŁos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sĂtio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mĂŁe!
Quia Aeternus
(A Joaquim de AraĂşjo)
NĂŁo morreste, por mais que o brade Ă gente
Uma orgulhosa e vĂŁ filosofia…
NĂŁo se sacode assim tĂŁo facilmente
O jugo da divina tirania!Clamam em vĂŁo, e esse triunfo ingente
Com que a Razão — coitada! — se inebria,
É nova forma, apenas, mais pungente,
Da tua eterna, trágica ironia.Não, não morreste, espectro! o Pensamento
Como d’antes te encara, e Ă©s o tormento
De quantos sobre os livros desfalecem.E os que folgam na orgia Ămpia e devassa
Ai! quantas vezes ao erguer a taça,
Param, e estremecendo, empalidecem!
Ignotus
(A Salomão Sáragga)
Onde te escondes? Eis que em vĂŁo clamamos,
Suspirando e erguendo as mĂŁos em vĂŁo!
Já a voz enrouquece e o coração
Está cansado — e já desesperamos…Por cĂ©u, por mar e terras procuramos
O EspĂrito que enche a solidĂŁo,
E sĂł a prĂłpria voz na imensidĂŁo
Fatigada nos volve… e nĂŁo te achamos!CĂ©us e terra, clamai, aonde? aonde? —
Mas o EspĂrito antigo sĂł responde,
Em tom de grande tédio e de pesar:— Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
TambĂ©m me busco a mim… sem me encontrar!
IdĂlio
Quando nĂłs vamos ambos, de mĂŁos dadas,
Colher nos vales lĂrios e boninas,
E galgamos dum fĂ´lego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruĂnas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:Quantas vezes, de sĂşbito, emudeces!
NĂŁo sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalidecesO vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.