Esta Palavra Saudade
Junto de um catre vil, grosseiro e feio,
por uma noite de luar saudoso,
Camões, pendida a fronte sobre o seio,
cisma, embebido num pesar lutuoso…Eis que na rua um cântico amoroso
subitâneo se ouviu da noite em meio:
Já se abrem as adufas com receio…
Noites de amores! Que trovar mimoso!Camões acorda e à gelosia assoma;
e aquele canto, como um antigo aroma,
ressuscita-lhe os risos do passado.Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,
no azul viu perpassar, claro e distante,
de NatĂ©rcia gentil o vulto amado…
Sonetos Exclamativos de António Cândido Gonçalves Crespo
6 resultadosQuando Canta A Maldonado
Quando canta a Maldonado
E os quadris saracoteia,
NĂŁo Ă© mulher, Ă© sereia,
NĂŁo Ă© mulher, Ă© o pecado.Ao vĂŞ-la, pois, enleado
Perco o siso, o verbo, a ideia,
E um desejo audaz se enleia
Neste peito meu bronzeado.Chamei-te sereia! engano!
Nunca tolice maior
Borbotou do lábio humano.Que toda a sereia, flor,
Finda em peixe… e ou eu me engano,
Ou tu acabas… melhor.
Soneto da Nudez
Há um misto de azul e trevas agitadas
Nesse felino olhar de lĂşbrica bacante.
Quando lhe cai aos pés a roupa flutuante,
Contemplo, mudo e absorto, as formas recatadas.Nessa mulher esplende um poema deslumbrante
De volĂşpia e langor; em noites tresloucadas
Que suave nĂŁo Ă© nas rosas perfumadas
De seus lábios beber o aroma inebriante!Fascina, quando a vejo à noite seminua,
Postas as mĂŁos no seio, onde o desejo estua,
A boca descerrada, amortecido o olhar…Fascina, mas sua alma Ă© lodo, onde nĂŁo pousa
Um raio dessa aurora, o amor, sublime cousa!
Raio de luz perdido em tormentoso mar!
Jatir E Coema
JATIR
Desprezo-te, Coema, a velha usança
Que entre nĂłs se pratica… desprezaste:
O bem-vindo estrangeiro abandonaste
Que em mole rede o corpo seu descansa.Desprezo-te, Coema, bem criança
Em meus braços de ferro te criaste
E neles sempre firme abrigo achaste
Mas pede a tua ação pronta vingança.COEMA
Senhor das matas, meu Jatir valente,
Tu desconheces este amor ardente,
Choro embalde a teus pĂ©s mĂsera louca!Afoga-me em teus braços musculosos.
Antes isso, que os beijos asquerosos
Do bem-vindo estrangeiro em minha boca!
Consolação
Quando Ă noite no baile esplendoroso
Vais na onda da valsa arrebatada
Com a serena fronte reclinada
Sobre o peito feliz do par ditoso…Mal sabes tu que existe um desditoso
Faminto de te ver, oh minha amada!
E que sente a sua alma angustiada
Longe da luz do teu olhar piedoso.Mas quando a roxa aurora vem nascendo,
E a cotovia acorda o laranjal,
E os astros vĂŁo de todo esmorecendo;Eu cuido ver-te, oh lĂrio divinal,
As minhas cartas ávida relendo
Seminua no leito virginal.
N. H.
Tu nĂŁo Ă©s de Romeu a doce amante,
A triste Julieta, que suspira,
Solto o cabelo aos ventos ondeante,
Inquietas cordas de suspensa lira.Não és Ofélia, a virgem lacrimante,
Que ao luar nos jardins vaga e delira,
E é levada nas águas flutuante,
Como em sonho de amor que cedo expira.És a estátua de mármore de rosa;
Galatéia acordando voluptuosa
Do grego artista ao fogo de mil beijos…És a lânguida JĂşlia que desmaia,
És Haidéia nos côncavos da praia;
Fosse eu o Dom JoĂŁo dos teus desejos!…