Sonetos Exclamativos de Vicente de Carvalho

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Dona Flor

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante…
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

Spleen

Fora, na vasta noute, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fúria;
E num rumor de choro, uma voz de lamúria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.

No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
Solidão numa sombra infinita e constante…

Tu, que és forte, rebrame em fúria, natureza!
Eu, caído num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;

E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.

Velho Tema V

“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”

Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.