Sonetos sobre Face de Olavo Bilac

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Sonetos de face de Olavo Bilac. Leia este e outros sonetos de Olavo Bilac em Poetris.

XXXIII

Quando adivinha que vou vĂŞ-Ia, e Ă  escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E nĂŁo sei por que foge envergonhada.

Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.

Corre, delira, multiplica os passos;
E o chĂŁo, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festa

E ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixĂŁo lhe empresta.

X

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que Ă© teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: nĂŁo posso mais! Ando tĂŁo cheio
Deste amor, que minh’alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo…

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

XIV

Viver nĂŁo pude sem que o fel provasse
Desse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não há que passe
Virgem de todo pela vida humana.

Por que tanta serpente atra e profana
Dentro d’alma deixei que se aninhasse?
Por que, abrasado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face?

Depois dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti duro castigo aos meus desejos
O gume fino de perversos dentes…

E nĂŁo posso das faces poluĂ­das
Apagar os vestĂ­gios desses beijos
E os sangrentos sinais dessas feridas!

Pecador

Este Ă© o altivo pecador sereno,
Que os soluços afoga na garganta,
E, calmamente, o copo de veneno
Aos lábios frios sem tremer levanta.

Tonto, no escuro pantanal terreno
Rolou. E, ao cabo de torpeza tanta,
Nem assim, miserável e pequeno,
Com tĂŁo grandes remorsos se quebranta.

Fecha a vergonha e as lágrimas consigo…
E, o coração mordendo impenitente,
E, o coração rasgando castigado,

Aceita a enormidade do castigo,
Com a mesma face com que antigamente
Aceitava a delĂ­cia do pecado.

XIX

Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra Ă s rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.

Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas…
É como se uma sílfide passasse!

E a luz cerca-a, beijando-a. O vento Ă© um choro
Curvam-se as flores trĂŞmulas … O bando
Das aves todas vem saudá-la em coro …

E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Ă€s aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e Ă s flores os sorrisos dando…

XVII

Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas

Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …

E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.

XII

Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
SaĂ­, ansioso por te ver: corria…
E tudo, ao ver-me tĂŁo depressa andando,
Soube logo o lugar para onde eu ia.

E tudo me falou, tudo! Escutando
Meus passos, através da ramaria,
Dos despertados pássaros o bando:
“Vai mais depressa! ParabĂ©ns!” dizia.

Disse o luar: “Espera! que eu te sigo:
Quero tambĂ©m beijar as faces dela!”
E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!”

E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
“Como Ă©s feliz! como Ă©s feliz, amigo,
Que de tĂŁo perto vais ouvi-la e vĂŞ-la!”

No Meio Do Caminho

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de sĂşbito na estrada
Da vida: longos anos, presa Ă  minha
A tua mĂŁo, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

Quarenta Anos

Sim! como um dia de verĂŁo, de acesa
Luz, de acesos e cálidos fulgores,
Como os sorrisos da estação das flores,
Foi passando também tua beleza.

Hoje, das garras da descrença presa,
Perdes as ilusões. Vão-se-te as cores
Da face. E entram-te n’alma os dissabores,
Nublam-te o olhar as sombras da tristeza.

Expira a primavera, O sol fulgura
Com o brilho extremo. . . E aĂ­ vĂŞm as noites frias,
AĂ­ vem o inverno da velhice escura…

Ah! pudesse eu fazer, novo Ezequias,
Que o sol poente dessa formosura
Volvesse Ă  aurora dos primeiros dias!