ComunhĂŁo
Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nĂłs vagaram,
Quantos as mĂŁos incertas levantaram
Sob este mesmo cĂ©u de luz austera!…— Luz morta! amarga a prĂłpria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes sĂł por instinto, e se apoiaram
Na obscura e herĂłica fĂ©, que os retempera…E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhĂŁo dos nossos pais antigos.
Sonetos sobre Fados de Antero de Quental
5 resultadosEspectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia Ă mĂŁo dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
Enquanto outros Combatem
Empunhasse eu a espada dos valentes!
Impelisse-me a acção, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Dão a lei aos reis trémulos e ás gentes!Respirariam meus pulmões contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado…
Ou caĂra radioso, amortalhado
Na fulva luz dos gládios reluzentes!Já não veria dissipar-se a aurora
De meus inĂşteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!Já não veria em minhas mãos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
D’esta pálida e estĂ©ril mocidade!
Na Capela
Na capela, perdida entre a folhagem,
O Cristo, lá no fundo, agonisava…
Oh! como intimamente se casava
Com minha dor a dor d’aquela imagem!Filhos ambos do amor, igual miragem
Nos roçou pela fronte, que escaldava…
Igual traição, que o afecto mascarava,
Nos deu suplĂcio ás mĂŁos da vilanagem…E agora, ali, em quanto da floresta
A sombra se infiltrava lenta e mesta,
Vencidos ambos, mártires do Fado,Fitavamo-nos mudos — dor igual! —
Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual
Mais palido, mais triste e mais cansado…
Lacrimae Rerum
Noite, irmĂŁ da RazĂŁo e irmĂŁ da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vĂŁo busca a certeza que o conforte?Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…É tudo, em torno a mim, dĂşvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…