Quando Cuido No Tempo Que, Contente
Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vĂŞ por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quĂŁo distante de vĂłs mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar também me ausente.Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);Agora, em tanto mal não mo assegura
a prĂłpria fantasia e nojo vosso:
eu nĂŁo posso entender este segredo!
Sonetos sobre Fantasia
50 resultadosPrĂł Pudor
Todas as noites ela me cingia
Nos braços, com brandura gasalhosa;
Todas as noites eu adormecia,
Sentindo-a desleixada a langorosa.Todas as noites uma fantasia
Lhe emanava da fronte imaginosa;
Todas as noites tinha uma mania,
Aquela concepção vertiginosa.Agora, há quase um mês, modernamente,
Ela tinha um furor dos mais soturnos,
Furor original, impertinente…Todas as noites ela, ah! sordidez!
Descalçava-me as botas, os coturnos,
E fazia-me cócegas nos pés…
O Meu CondĂŁo
Quis Deus dar-me o condĂŁo de ser sensĂvel
Como o diamante Ă luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantástica, impossĂvel:
– Um bailado de cor e fantasia!Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixĂŁo estranha, ardente, incrĂvel!
Erguer em mim o facho inextinguĂvel,
Como um cinzel vincando uma agonia!Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– Vãos, os meus braços de crucificada,
Inúteis, esses beijos que te dei!Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…
LXII
Torno a ver-vos, Ăł montes; o destino
Aqui me torna a pĂ´r nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da CĂ´rte rico, e fino.Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os mĂseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.
Torre de NĂ©voa
Subi ao alto, Ă minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que sĂŁo meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! …”Calaram-se os poetas, tristemente …
E Ă© desde entĂŁo que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! …
Amor Vivo
Amar! mas d’um amor que tenha vida…
NĂŁo sejam sempre tĂmidos harpejos,
NĂŁo sejam sĂł delirios e desejos
D’uma douda cabeça escandecida…Amor que vive e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser — e não só beijos
Dados no ar — delĂrios e desejos —
Mas amor… dos amores que têm vida…Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipa-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia…Nem murchará do sol á chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra débeis amores… se têm vida?
Amiga
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascĂŞssemos irmĂŁos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mĂŁos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…
LXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂa!Já crĂ©dito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.
Outono
Com a carga de frutos maus maduros,
Nessa estação viril entrei do Outono.
Bradou-me o Desengano, de seu trono:
«Larga os pomos que trazes, tão impuros!«Não soubeste colher outros mais puros,
«Desgraçado mortal, frouxo colono?
«Isso é que hás-de oferecer da vida ao Dono?
«Um mau agricultor tem maus futuros.«Pois que inda tens vigor, tem mais juizo!»
O Desengano amigo me dizia.
Mas eu, surdo me fiz ao sábio aviso,As rédeas não colhi da fantasia,
Deixei corrĂŞ-la Ă solta, sem mais siso,
Pois isso frutos podres sĂł colhia.
VII
Versos feitos por mim na mocidade
O mérito só tem sentimento.
Eram, pra assim dizer, um instrumento
Mais que o prazer ecoando-me a saudade.Pospondo a fantasia sempre Ă verdade
Melhor encontrei nesta o ornamento
E, no estudo apurando o sentimento,
Quanto tenho a saber disse-me a idade.É isso o que vos quero eu ensinar,
Amando-vos qual pode um terno avĂ´,
A quem para as suas cĂŁs engrinaldarMelhor sĂł poderia o que eu vou
Em carĂcias tĂŁo vossas procurar,
Sentindo que de vĂłs inda mais sou.
Para Que Serve A Poesia?
De servir-se utensĂlio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em mĂłdica quantia
por camelĂ´s de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.
Quando em Meu Desvelado Pensamento
Quando em meu desvelado pensamento
O teu formoso gesto se afigura,
NĂŁo sei que afecto sinto, ou que ternura,
Que a toda esta alma dá contentamento.Ali fico num largo esquecimento,
Contemplando na minha conjectura
De teu sereno rosto a graça pura,
De teus olhos o doce movimento.Porém logo a inconstante fantasia
Me acorda o entendimento arrebatado,
E desfaz todo o bem que me fingia,Sendo tal este gosto imaginado,
Que de Amor outra glĂłria eu nĂŁo queria
Mais que trazer-te sempre em meu cuidado.
O Final Do Guarani
(Santos, 15 jul. 1883)
Ceci — é a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o Ăndio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.Amam-se com o amor indômito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.Porém… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…
HistĂłria Antiga
Vendo-a, fico a pensar que entre nós, certo dia…
Mas, para que falar desse tempo feliz?
Eu a quis – nem eu sei dizer como a queria!
Ela – Quem poderá dizer quanto me quis?!Foi romance talvez, foi talvez fantasia,
vida que quase chega, e foge, por um triz…
Nosso amor, mas nem eu me lembro o que dizia!
Quem há de se lembrar do que a sonhar se diz!Era um misto de sonho e tĂmido desejo:
eu – temendo manchar uma afeição tão bela!
ela – a entregar-me a vida e a boca num só beijo!Ah! a Vida… Afinal quem a vida adivinha?
Nem eu – que tanto a quis – sei por que não sou dela!
nem ela, há de saber por que nunca foi minha!
Nervos D’Oiro
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mĂŁo,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplĂŞndidos, que sĂŁo
Toda a Arte suprema dos meus versos!
Meu Coração
Eu tenho um coração – um mĂsero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…Eu tenho um coração, – um mĂsero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…
Com Grandes Esperanças Já Cantei
Com grandes esperanças já cantei,
com que os deuses no Olimpo conquistara;
despois vim a chorar porque cantara
e agora choro já porque chorei.Se cuido nas passadas que já dei,
custa me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mágoas que passara
tenho pola mor mágoa que passei.Pois logo, se está claro que um tormento
dá causa que outro n’alma se acrescente,
já nunca posso ter contentamento.Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visões da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
LX
Valha-te Deus, cansada fantasia!
Que mais queres de mim? que mais pretendes?
Se quando na esperança mais te acendes,
Se desengana mais tua porfia!Vagando regiões de dia em dia,
Novas conquistas, e troféus empreendes:
Ah que conheces mal, que mal entendes,
Onde chega do fado a tirania!Trata de acomodar-te ao movimento
Dessa roda volĂşvel, e descansa
Sobre tão fatigado pensamento.E se inda crês no rosto da esperança,
Examina por dentro o fingimento;
E verás tempestade o que é bonança.
A Flor Do Sonho
A Flor do Sonho, alvĂssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnĂłlia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruĂna.Pende em meu seio a haste branda e fina
E nĂŁo posso entender como Ă© que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…