Psicologia De Um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Sonetos sobre Filhos
110 resultadosCrença
Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidão das cousas,
Nessa mudez castíssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer não ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos ríspidos escolhos;
Tê-los à frente de qualquer farolE conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!
Gonçalves Crespo
Esta musa da pátria, esta saudosa
Niobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
Poz-te Deus Sobre a Fronte a Mão Piedosa
Poz-te Deus sobre a fronte a mão piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sê formosa!»E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarão sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte.E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!
Casou-Se Nesta Terra Esta E Aquele
Casou-se nesta terra esta e aquele.
Aquele um gozo filho de cadela,
Esta uma donzelíssima donzela,
Que muito antes do parto o sabia ele.Casaram por unir pele com pele;
E tanto se uniram, que ele com ela
Com seu mau parecer ganha para ela,
com seu bom parecer ganha para ele.Deram-lhe em dote muitos mil cruzados,
Excelentes alfaias, bons adornos,
De que estão os seus quartos bem ornados:Por sinal que na porta e seus contornos
Um dia amanheceram, bem contados,
Três bacias de trampa e doze cornos.
Sátira aos Penteados Altos
Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali ou a criada.A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz coa doce voz que o ar serena:
– «Sumiu-se-lhe um colchão? É forte pena;
Olhe não fique a casa arruinada…»– «Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,Arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!…
Maes, Vinde Ouvir!
Longe de ti, na cella do meu quarto,
Meu copo cheio de agoirentas fezes,
Sinto que rezas do Outro-mundo, harto,
Pelo teu filho. Minha Mãe, não rezes!Para fallar, assim, ve tu! já farto,
Para me ouvires blasphemar, ás vezes,
Soffres por mim as dores crueis do parto
E trazes-me no ventre nove mezes!Nunca me houvesses dado á luz, Senhora!
Nunca eu mamasse o leite aureolado
Que me fez homem, magica bebida!Fôra melhor não ter nascido, fôra,
Do que andar, como eu ando, degredado
Por esta Costa d’Africa da Vida…
Despois Que Viu Cibele O Corpo Humano
Despois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Átis seu verde pinheiro,
em piedade o vão furar primeiro
convertido, chorou seu grave dano.E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a Júpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lá do Céu superno.Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando à vossa sombra verso eterno!
Homo
Nenhum de vós ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece…Ninguém sabe quem sou… e mais, parece
Que há dez mil anos já, neste degredo,
Me vê passar o mar, vê-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece…Sou um parto da Terra monstruoso;
Do húmus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pai nem mãe…Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanás; — talvez um filho
Bastardo de Jeová; — talvez ninguém!
Não Me Aflige Do Potro A Viva Quina;
Não me aflige do potro a viva quina;
Da férrea maça o golpe não me ofende;
Sobre as chamas a mão se não estende;
Não sofro do agulhete a ponta fina.Grilhão pesado os passos não domina;
Cruel arrocho a testa me não fende;
À força perna ou braço se não rende;
Longa cadeia o colo não me inclina.Água e pomo faminto não procuro;
Grossa pedra não cansa a humanidade;
A pássaro voraz eu não aturo.Estes males não sinto, é bem verdade;
Porém sinto outro mal inda mais duro:
Da consorte e dos filhos a saudade!
Glória
Florescimentos e florescimentos!
Glória às estrelas, glória às aves, glória
À natureza! Que a minh’alma flórea
Em mais flores flori de sentimentos.Glória ao Deus invisível dos nevoentos
Espaços! glória à lua merencória,
Glória à esfera dos sonhos, à ilusória
Esfera dos profundos pensamentos.Glória ao céu, glória à terra, glória ao mundo!
Todo o meu ser é roseiral fecundo
De grandes rosas de divino brilho.Almas que floresceis no Amor eterno!
Vinde gozar comigo este falerno,
Esta emoção de ver nascer um filho!
Há Cousa Como Ver Um Paiaiá
Há cousa como ver um Paiaiá,
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de tatu,
Cujo torpe idioma é cobepá.A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga, caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Pirajá.A masculina é um Aricobé
Cuja filha Cobé, cum branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.O branco é um marau, que veio aqui;
Ela é uma índia de Maré
Cobépá, Aricobé, Cobé, Paí.
A Visita
Hontem dormia à noute – e, eis que desperto
Sacudido d’um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d’um vento do deserto.Accordei – era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma sceptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inutil saibro a verde palma,
Verme! filho da Duvida–Eis-me aqui!Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente!
Crê barro vil! – Mas eu, descortezmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.
O Dia Em Que Eu Nasci, Moura E Pereça
O dia em que eu nasci, moura e pereça,
não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.s pessoas pasmadas de ignorantes,
as lágrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo já se destruiu.Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!
Lusitânia Querida
Lusitânia querida! Se não choro
Vendo assim lacerado o teu terreno,
Não é de ingrata filha o dó pequeno;
Rebeldes julgo os ais, se te deploro.Admiro de teus danos o decoro.
Bebeu Sócrates firme seu veneno;
E em qualquer parte do perigo o aceno
Encontra e cresce o teu valor, que adoro.Mais que a vitória vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de opressões fatais,
Se arrasada te vês, sem percebê-lo.Povos! a independência que abraçais
Aplaude, alegre, o estrago, e grita ao vê-lo:
“Ruína sim, mas servidão jamais!”
Lamento
Um diluvio de luz cae da montanha:
Eis o dia! eis o sol! o esposo amado!
Onde ha por toda a terra um só cuidado
Que não dissipe a luz que o mundo banha?Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde ha ser de Deus tão olvidado
Para quem paz e alivio o céo não tenha?Deus é Pae! Pae de toda a creatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre é lembrado…Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
N’esta hora santa… e eu só posso ser triste…
Serei filho, mas filho abandonado!
O Deus-Verme
Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – é o seu nome obscuro de batismo.Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação fúnerea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão…Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
Obrei quanto o Discurso me Guiava
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.
Hino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
O Filho De Latona Esclarecido
O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hórrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tão temido.Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessálicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.Não lhe pôde valer, para seu dano,
ciência, diligências, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tão pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que é mais que humano?