Juízo
Quando, nos quatro ângulos da Terra,
Troarem as trombetas ressurgentes,
Despertadoras dos mortais dormentes,
Por onde um Deus irado aos homens berra:Prontos, num campo, em apinhada serra,
Todos nus assistir devem viventes
Ao Juízo Final e ver, patentes,
Seus delitos, que um livro eterno encerra.Então, aberto o Céu, e o Inferno aberto,
Todos ali verão: e a sorte imensa
Duma mágoa sem fim, dum gozo certo.Verão recto juiz pesar a ofensa
Na balança integral, e o justo acerto,
Dando da vida e morte igual sentença.
Sonetos sobre Fim
122 resultadosTudo O Que É Puro, Santo E Resplendente
Tudo o que é puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidão sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!
(dream)
Qualquer coisa de obscuro permanece
No centro do meu ser. Se me conheço,
É até onde, por fim mal, tropeço
No que de mim em mim de si se esquece.Aranha absurda que uma teia tece
Feita de solidão e de começo
Fruste, meu ser anónimo confesso
Próprio e em mim mesmo a externa treva desce.Mas, vinda dos vestígios da distância
Ninguém trouxe ao meu pálio por ter gente
Sob ele, um rasgo de saudade ou ânsia.Remiu-se o pecador impenitente
À sombra e cisma. Teve a eterna infância,
Em que comigo forma um mesmo ente.
Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist’rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!…“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”
Comparar-te a um Dia de Verão?
Comparar-te a um dia de verão?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor às mãos do furacão,
o foral do verão que chega ao fim.Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.Mas juro-te que o teu humano verão
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vê e que respira,
te verá respirar na minha lira.Tradução de Carlos de Oliveira
Deus, Infinito Ser
Deus, Infinito ser, nunca criado,
Sem princípio, nem fim, na Majestade
Que no trono da Eterna Divindade
Tens o Mundo num dedo dependurado:Tu estavas em Ti, não foste nado,
O teu Ser era a tua Imensidade,
Tu tiveste por berço a Eternidade,
Tu, sem tempo, em Ti mesmo eras gerado!Tu és um fogo que arde sem matéria,
Tu és perpétua luz, que não desmaia
Fulgindo, sem cessar, na sala etérea!Tu és um mar de amor, que não tem praia,
Trovão assustador da esfera aérea,
Rei dum Reino Imortal, que não tem raia!…
Da Mundana Lida, Eis Que Cansado
“Minha vida é um montão de ruínas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tão crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que é demais sofrer-se assim!
Soneto Ao Nosso Encontro
Desenrolam-se as curvas do caminho
à proporção que aos poucos avançamos…
Um dia, – e eu vinha então triste e sozinho,
– um dia, – vinhas só… nos encontramos…Desde esse dia, juntos, simulamos
duas asas de um mesmo passarinho,
– nesse destino que entrançou dois ramos
que dão a mesma flor… e o mesmo espinho…Depois de tantas curvas já vencidas
que sejamos ao fim de nossas vidas
na perfeição do amor que nos conduz,– como a folhagem que um só ninho esconde,
ou dois galhos que vêm da mesma fronde
para juntos morrer na mesma cruz!
Vanitas
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…
Anjo
Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto é prece alando-se, divina!A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silêncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
Bênção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridão do Mundo…A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silêncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!
A Partida
Partimos muito cedo — A madrugada
Clara, serena, vaporosa e fresca,
Tinha as nuances de mulher tudesca
De fina carne esplêndida e rosada.Seguimos sempre afora pela estrada
Franca, poeirenta, alegre e pitoresca,
Dentre o frescor e a luz madrigalesca
Da natureza aos poucos acordada.Depois, no fim, lá de algum tempo — quando
Chegamos nós ao termo da viagem,
Ambos joviais, a rir, cantarolando,Da mesma parte do levante, de onde
Saímos, pois, faiscava na paisagem
O sol, radioso e altivo como um conde.
A Espera
Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…
Canto De Onipotência
Cloto, Átropos, Tifon, Laquesis, Siva…
E acima deles, como um astro, a arder,
Na hiperculminação definitiva
O meu supremo e extraordinário Ser!Em minha sobre-humana retentiva
Brilhavam, como a luz do amanhecer,
A perfeição virtual tornada viva
E o embrião do que podia acontecer!Por antecipação divinatória,
Eu, projetado muito além da História,
Sentia dos fenômenos o fim.. .A coisa em si movia-se aos meus brados
E os acontecimentos subjugados
Olhavam como escravos para mim!
Desejos Vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…
Benditas Cadeias!
Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos…
Meus olhos, minha boca vão sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.De ver minh’alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos
Soneto do amor difícil
A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa…Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.
Supremo Anseio
Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espírito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarão, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem pertoEsse clarão esplendoroso e louro
Do amor de mãe — que é como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.
Assim
Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao léu da fantasia…
Um flor que brotou e num botão morreu…Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu…Não podes, bem o sei – sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés…Que importa ? Hás de sofrer mais tarde – a vida é assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim!…
Retrospecto
Vinte e seis anos, trinta amores: trinta
vezes a alma de sonhos fatigada.
e, ao fim de tudo, como ao fim de cada
amor, a alma de amor sempre faminta!Ó mocidade que foges! brada
aos meus ouvidos teu futuro, e pinta
aos meus olhos mortais, com toda a tinta,
os remorsos da vida dissipada!Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que é que vejo? que sinto? que me resta?Nada: ao fim do caminho percorrido,
o ódio de trinta vezes ter jurado
e o horror de trinta vezes ter mentido!
Logos
Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim
E, o que é mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que são o meu princípio, meio e fim…Que estranho ser és tu (se és ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiões inominadas, cheias
De encanto e de pavor… de não e sim…És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te…Falo-te, calas… calo, e vens atento…
És um pai, um irmão, e é um tormento
Ter-te a meu lado… és um tirano, e adoro-te!