Sonetos sobre Fonte de Lêdo Ivo

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Sonetos de fonte de Lêdo Ivo. Leia este e outros sonetos de Lêdo Ivo em Poetris.

A Noite Branca

Uma fonte clara e musical
canta na noite branca de Roma
e dos jardins pagãos vem o aroma
que embalsama as camas dos amantes.

A água de si mesma enamorada
cinge a fronte fria das estátuas
de dia feridas pelas fátuas
vozes dos turistas sucessivos.

A memória oculta das cloacas
narra o seu trajeto de água e fábula
pela boca dos tritões e máscaras.

No brancor da praça adormecida
Aparece um travesti aidético
E ouve a fonte, a eterna voz da vida.

Soneto De Abril

Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.

Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d’água, mas de canto.

Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:

amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.

Soneto Presunçoso

Que forma luminosa me acompanha
quando, entre o lusco e o fusco, bebo a voz
do meu tempo perdido, e um rio banha
tudo o que caminhei da fonte à foz?

Dos homens desde o berço enfrento a sanha
que os difere da abelha e do albatroz.
Meu irmão, meu algoz! No perde-e-ganha
quem ganhou, quem perdeu, não fomos nós.

O mundo nada pesa. Atlas, sinto
a leveza dos astros nos meus ombros.
Minha alma desatenta é mais pesada.

Quer ganhe ou perca, sou verdade e minto.
Se pergunto, a resposta é dos assombros.
No sol a pino finjo a madrugada.

Soneto De Roma

Felizes os que chegam de mãos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a água clássica
dão em silêncio adeus à claridade.

No dourado crepúsculo da tarde
o que nos dividiu agora é soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.

Todo fim é começo. A água da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruínas.

Como o verão sucede à neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.