O Pior Dos Males
Baixando Ă Terra, o cofre em que guardados
Vinham os Males, indiscreta abria
Pandora. E eis deles desencadeados
À luz, o negro bando aparecia.O Ódio, a Inveja, a Vingança, a Hipocrisia,
Todos os VĂcios, todos os Pecados
Dali voaram. E desde aquele dia
Os homens se fizeram desgraçados.Mas a Esperança, do maldito cofre
Deixara-se ficar presa no fundo,
Que Ă© Ăşltima a ficar na angĂşstia humana…Por que nĂŁo voou tambĂ©m? Para quem sofre
Ela é o pior dos males que há no mundo,
Pois dentre os males Ă© o que mais engana.
Sonetos sobre Fundo
102 resultadosTristeza De Momo
Pela primeira vez, Ămpias risadas
Susta em pranto o deus da zombaria;
Chora; e vingam-se dele, nesse dia,
Os silvanos e as ninfas ultrajadas;Trovejam bocas mil escancaradas,
Rindo; arrombam-se os diques da alegria;
E estoira descomposta vozeria
Por toda a selva, e apupos e pedradas…Fauno, indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros vis, da mais indigna laia,
Zombam. Não há quem dele se condoa!E Eco propaga a formidável vaia,
Que além por fundos boqueirões reboa
E, como um largo mar, rola e se espraia…
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂşmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visões da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
ĂŠxtase BĂşdico
Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescĂŞncias da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!As estrelas cativas no teu seio
DĂŁo-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e bĂşdica Noite Redentora!
Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!
Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p’ra alĂ©m da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crĂŞ, que felicidade!Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo Ă© sĂł vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatĂłrio um paraĂso…Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P’ra suportar melhor quem tem juĂzo.
Imortal Falerno
Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lá do fundo de um céu sempre risonho.Sempre uma voz dos Ermos, das Distâncias!
Sempre as longĂnquas, mágicas fragrâncias
De uma voz imortal, divina,pura…E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!
Alma Mater
Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancasE sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…Derrama os lĂrios, os teus lĂrios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!
Soneto 263 A Mama Cass
Se magra Ă© minha Sandra carioca,
gordona foi Cassandra, outro tesĂŁo
das minhas fantasias, que hoje sĂŁo
lembranças se a vitrola, ao fundo, toca.Mulher o meu desejo só provoca
se for ou varapau ou balofĂŁo:
oitenta ou oito; o meio termo nĂŁo.
Por isso a Mama Cass, morta, me choca.Um simples sanduĂche nos privava,
fatĂdico, entalado na garganta,
daquela voz famosa, que nĂŁo gravamais coisas como aquilo que me encanta:
“Palavras de amor”. Cass, vocĂŞ foi brava!
Nenhum peso mais alto se alevanta!
Velho
Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.Envolve-te o crepĂşsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em mĂşsicas gemidas
No fundo coração dilacerado.A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos cĂrculos governa.Estás velho, estás morto! Ă“ dor, delĂrio,
Alma despedaçada de martĂrio,
Ó desespero da Desgraça eterna!
Carregado De Mim Ando No Mundo
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.O prudente varão há de ser mudo,
Que Ă© melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco cos demais, que sĂł, sisudo.
A Noite
A nebulosidade ameaçadora
Tolda o Ă©ter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridĂŁo do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.A custĂłdia do anĂmico registro
A planetária escuridĂŁo se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnĂmoda e complexa
Os olhos fundos dos que estĂŁo com medo!
Penetrália
Falei tanto de amor!… de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio…O verdadeiro amor, honra e desgraça,
Gozo ou suplĂcio, no Ăntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao pĂşblico recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.Não proclamei os nomes, que baixinho,
Rezava… E ainda hoje, tĂmido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dĂşvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.Da Igreja – a Grande MĂŁe – o exorcismo
TerrĂvel me feriu, e entĂŁo sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dĂşvida cruel qual me magoa
Me torna Ănfimo, desgraçado rĂ©u.Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
NĂŁo sei se viva p’ra morrer na terra,
NĂŁo sei se morra p’ra viver no CĂ©u!
Espiritualismo
I
Como um vento de morte e de ruĂna,
A DĂşvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de sĂşbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.Nem astro já reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.E, no meio da noite monstruosa,
Do silĂŞncio glacial, que paira e estende
O seu sudário, d’onde a morte pende,SĂł uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existĂŞncia,
Desabroxa no fundo da ConsciĂŞncia.II
Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarĂŁo
Aos sĂłis que ruem pela imensidĂŁo,
Arrastando uma aurĂ©ola apagada…Em vĂŁo! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gĂ©lida amplidĂŁo…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…Tu morrerás tambĂ©m. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremoNo vácuo eterno se esvairá disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o Ăşltimo suspiro do Universo.
Rompeu-Se O Denso VĂ©u Do Atroz Marasmo
Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De nĂ©scio, vil truĂŁo solta o sarcasmo.PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!
Assim
Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao lĂ©u da fantasia…
Um flor que brotou e num botĂŁo morreu…Embora sendo nosso, este amor foi sĂł meu,
porque o teu, nĂŁo foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu…NĂŁo podes, bem o sei – sendo mulher como Ă©s,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pĂ©talas no chĂŁo, pisadas por teus pĂ©s…Que importa ? Hás de sofrer mais tarde – a vida Ă© assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
Ă© o mesmo que depois há de amargar teu fim!…
Spleen
Fora, na vasta noute, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fĂşria;
E num rumor de choro, uma voz de lamĂşria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
SolidĂŁo numa sombra infinita e constante…Tu, que Ă©s forte, rebrame em fĂşria, natureza!
Eu, caĂdo num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.
Narciso
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu prĂłprio poço…
Ah, que terrĂvel face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silĂŞncio esfĂngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:Que eu vivo Ă espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
…Lá no fundo do poço em que me espelho!
DemĂ´nios
A lĂngua vil, ignĂvoma, purpĂşrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂdos mercadeja,
Mordendo-os fundo injúria por injúria.É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria!SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂ´nios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂşpia de quem ama…Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!
Barco Perdido
Oh! a vida Ă© uma grande renĂşncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, Ă© que Ă s vezes, a vida
de renĂşncia em renĂşncia aos poucos vai embora…Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressĂŁo comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…Velas rĂ´tas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…