1A Sombra – Marieta
Como o gĂŞnio da noite, que desata
O véu de , rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos… Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prataO seio virginal que a mão recata,
Embalde o prende a mão… cresce, flu
Sonha a moça ao relento… Além na
Preludia um violão na serenata!…… Furtivos passos morrem no lajedo…
Resvala a escada do balcão discreta…
Matam lábios os beijos em segredo…Afoga-me os suspiros, Marieta!
Oh surpresa! oh palor! oh pranto! oh medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta…
Sonetos sobre GĂ©nios
29 resultadosXIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondĂŞncia,
Ou desconhece o rosto da violĂŞncia,
Ou do retiro a paz nĂŁo tem provado.Que bem Ă© ver nos campos transladado
No gĂŞnio do pastor, o da inocĂŞncia!
E que mal Ă© no trato, e na aparĂŞncia
Ver sempre o cortesĂŁo dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, Ă© variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
Sentimento Esquisito
Ó céu estéril dos desesperados,
Forma impassĂvel de cristas sidĂ©reo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.Pátria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidável muralha de mistério
Que deixa os corações desconsolados.Céu imóvel milênios e milênios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂŞnios
E ergues das almas o sagrado acorde.Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…
New York
Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume ancião de idades mortas…
Lágrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos
Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidério…
Raios de luz, fantásticos, divinos!…Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do ParaĂso etĂ©reo,
Canto da tarde, lĂmpido, aĂ©reo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…Brisas suaves, virações amenas,
LĂrios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse ProdĂgio singular e mago!!…
Dizem Que A Arte É A Clâmide De Idéia
Dizem que a arte é a clâmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d’isso a prova singular já deste
Sorvendo d’ela a divinal sabéia!.Da “Georgeta” na feliz estréia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer platéia!…Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co’a expressĂŁo dos astros!…E as turbas mudas, impassĂveis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas…
Vão-te seguindo os luminosos rastros!…
Grandeza Oculta
Estes vĂŁo para as guerras inclementes,
Os absurdos herĂłiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.Aqueles para os frĂvolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxĂşrias carnais, impenitentes.Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu GĂŞnio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,Ă“ delicado espĂrito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!
Saint-Just
Quando Ă tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terrĂveis frases
E a luz do gĂŞnio em seu olhar fulgindo,A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos sequazes –Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!
Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo
Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol cĂrculos traço.Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.
Liberdade, Onde estás? Quem Te Demora?
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nĂłs nĂŁo caia?
Porque (triste de mim!) porque nĂŁo raia
Já na esfera de LĂsia a tua aurora?Da santa redenção Ă© vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha . . . Oh!, venha, e trĂŞmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo.Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso nĂşmen tu Ă©s, e glĂłria, e tudo,
MĂŁe do gĂŞnio e prazer, Ăł Liberdade!
Soneto 278 A Salvador Dali
Pra mim, Picasso perto dele Ă© pinto.
Qual cubo nem Guernica! O catalĂŁo
pôs fogo na girafa, e dá lição
de como vocĂŞ pinta como eu pinto.RelĂłgios derreteu, deu ao recinto
bagunça formidável de ilusão.
Bigodes retorceu, e a posição
do Cristo subverteu: estilo extinto.Talvez fez na pintura o que GaudĂ
ergueu, fenomenal, na arquitetura:
delĂrio, porĂ©m nĂtido. NĂŁo vino sĂ©culo atual maior textura
que o fruto da estranheza de Dali,
o gĂŞnio do ocular na cor. Loucura!
Quatro Sonetos De Meditação – II
Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da árvore jovem que não ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doceNa sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silĂŞncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepĂşsculo mĂłrbido e maduro
Me leva a face ao gênio dos espelhosE eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.
Soneto 253 A Renato Russo
Embora original, gĂŞnio, perito,
do nosso rock um raro uirapuru,
vivia ensimesmado e jururu,
talvez por nĂŁo ser grego nem bonito.Entendo a sua angĂşstia e o seu conflito,
meu Ădolo, meu mártir, meu guru!
Causou vocĂŞ, primeiro, um sururu;
depois, tristeza, e entĂŁo calou seu grito.Respeito quem Ă© triste, ou aparenta.
Os outros grandes brincam: Raul, Rita,
ou cospem mera raiva barulhenta.Cazuza também brinca, mas medita.
Arnaldo Antunes testa, experimenta.
Renato faz da dor a dor: maldita!
Louvor A Unidade
“Escafandros, arpões, sondas e agulhas
“Debalde aplicas aos heterogêneos
“Fenômenos, e, há inúmeros milênios,
“Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!“Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,
“Com essa intuição monĂstica dos gĂŞnios,
“À hirta forma falaz do are perennius
“A transitoriedade das fagulhas!”– Era a estrangulação, sem retumbância,
Da multimilenária dissonância
Que as harmonias siderais invade…Era, numa alta aclamação, sem gritos,
O regresso dos átomos aflitos
Ao descanso perpétuo da Unidade!
MarĂlia De Dirceu
Soneto 7
O nume tutelar da Monarquia,
Que fez do grande Henrique a invicta espada,
Procurou dos Destinos a morada,
Por consultar a idade que viria.A mil e mil herĂłis descrito via,
Que exaltam de furtado a estirpe honrada,
E na série, que adora, dilatada,
O nome de Francisco descobria.Contempla uma por uma as letras d’ouro;
Este penhor, que o tempo nĂŁo consome,
Promete ao reino seu maior tesouro.Prostra-se o gĂŞnio; e sem que a empresa tome
De lhe buscar sequer mais outro agouro,
O sĂtio beija, e lhe mostra o nome.
XXVIII
Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gĂŞnio esquivo,
TĂŁo longe dela estou, e estou tĂŁo perto.
É Delicada, Suave, Vaporosa
É delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura…
É linda e alva como a neve pura,
Débil, franzina, divinal, nervosa!…E d’entre os lábios setinais, de rosa
Libram-se pérolas de nitente alvura…
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!…Quando aparece no febril proscênio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helênio…Sente-se n’alma as atrações potentes
Que sĂł se operam ao fulgor do gĂŞnio,
As rubras chispas ideais, ferventes!…
Ergue, Criança, A Fronte Condorina
Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂŞncia, o rĂştilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sinceroUm peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂŞnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!
XXII
A Goethe.
Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gĂŞnio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas.Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frĂgidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.Ouço o rumor soturno da charrúa,
E os rouxinĂłis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia.E vejo, Ă luz tristĂssima da lua,
Hermann que cisma, pálido, embebido
No meigo olhar da loura Dorothéa…
Chegou Enfim, E O Desembarque Dela
Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressĂŁo divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!É graciosa, sacudida e bela,
NĂŁo tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gĂŞnio que seduz, fascina,
TĂŁo atraente, singular Ă© ela!Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!