Sonetos sobre Gesto

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Sonetos de gesto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂŞ mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.

Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece

Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ă“ mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alĂ­gero adormece!

Ă“ ledos olhos, cuja luz parece
TĂŞnue raio de sol! Ă“ gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂ­ssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂşpiter suspira!

Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂŞnus? – É mentira;
Sois de MarĂ­lia, sois dos meus amores.

Tarde no Mar

A tarde Ă© de oiro rĂştilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mĂŁos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretĂ©m a desfolhar…

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mĂŁos morenas, milagrosas,
SĂŁo as asas do sol, agonizantes…

Escrava

Ă“ meu Deus, Ăł meu dono, Ăł meu senhor,
Eu te saĂşdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mĂŁos tontas de amor!

Que te seja propĂ­cio o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
Plos séculos dos séculos sem par,
Ă“ meu Deus, Ăł meu dono, Ăł meu senhor!

Eu, doce e humilde escrava, te saĂşdo,
E, de mĂŁos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.

Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a eternidade!…

A Teodoro de Banville

De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufiĂŁo de esquina.

Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.

O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a tĂşnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —

TrĂŞs vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, rĂ©pteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?

Tradução de Delfim Guimarães

Pedra Tumular

A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz nĂŁo tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
TĂŁo rĂ­gida e tĂŁo fria como a pedra.

Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inĂştil por vazia,
E a lĂ­ngua imĂłvel nega o som Ă  vida,
Por hábito ou por falta de coragem.

Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um tĂşmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.

Nos Teus Gestos

Nos teus gestos há animais em liberdade
e o brilho doce que sĂł tĂŞm as cerejas.
É neles que adormeço, e dos teus dedos
retiro a luz azul dos arquipélagos.

Os teus gestos sĂŁo letras, sĂ­labas, poemas.
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

SĂŁo os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silĂŞncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos sĂŁo mĂşsica. SĂŁo lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo.

O Mágico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂŞ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pĂ´de transformar meu pensamento.

Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraĂ­so

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

A Castidade com que Abria as Coxas

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tĂŁo estrita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tĂŁo vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era AdĂŁo,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chĂŁo.
E nem restava mais o mundo, Ă  beira
dessa moita orvalhada, nem destino.

Soneto De Natal

Um homem, – era aquela noite amiga,
Noite cristĂŁ, berço do Nazareno, –
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena nĂŁo acode ao gesto seu.

E, em vĂŁo lutando contra o metro adverso,
SĂł lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

Ao Rimar Dor com Pensamento

Ao rimar dor com pensamento
escrevo ternura, afecto,
apenas quem me conceda
um gesto, mĂ­nimo gesto

um poeta nĂŁo se assassina
ia dizer mas disto nĂŁo entendes
Ă© a superfĂ­cie que pretendes
da coisa leve, pequenina

Isto Ă© lama, sĂŁo entranhas, Ă© lixo,
chama, horror, precipĂ­cio
que consome, enaltece, aflige

em tom maior, menor, e a verdade
capriche. Que em verdade digo:
de aqui em diante – apenas sigo