Soneto VIII
Da virtude que move os Céus depende
Todo o bem, toda a glória e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glória mais que vida ou ser pretende.Mas nem há-de faltar essa virtude
Se não c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.Então para que nunca mais se mude,
Se mudará, e mudar-se Amor nessa hora,
Será para outro Amor que sempre dura.
Sonetos sobre Glória
127 resultadosDouto, Prudente, Nobre, Humano, Afável
Ao desembargador Belchior da Cunha Brochado, casado com uma filha de Sebastião Barbosa, Capitão de infantaria do III da Praça da Bahia.
Douto, prudente, nobre, humano, afável.
Reto, ciente, benigno e aprazível.
Único, singular, raro, inflexível.
Magnífico, preclaro, incomparável.Do mundo grave juiz. Inimitável.
Admirado, gozais aplauso incrível,
Pois a trabalho tanto e tão terrível,
Dais pronto execução sempre incansável.Vossa fama, senhor, seja notória
Lá no clima onde nunca chega o dia.
Onde do Erebo só se tem memóriaPara que garbo tal, tanta energia!
Pois de toda esta terra é gentil glória,
Da mais remota seja uma alegria.
Soneto XXXXVII
Como depois de tanta idade de ano
Agora o Céu vos dá, Jacinto, à terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.Foi descuido do Céu, ou foi engano
Da terra, que sem Céu mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que à Católica Igreja se aparelha.Filhos na mocidade o Céu lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.
Destino
Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.Deus te leve, água pura e fresca!… A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te levaPara o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.
Parto-me desses Olhos Graciosos
Bem pode, Sílvia minha, qualquer serra
tirar a estes meus olhos sua glória,
qualquer monte terá de mim vitória,
qualquer pequeno espaço, enfim, de terra.Mas contra um pensamento fazem guerra,
que traz em si pintada vossa história,
e quanto mais contrastes, mais memória
conserva um coração que vos encerra.Parto-me desses olhos graciosos,
mas por eles vos juro, que mudança
se não veja nos meus eternamente,Que a mágoa de os ver ficar chorosos
estímulo será para a lembrança
de quem se vê de vós viver ausente.
De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glória que em sofrer tal pena sentem.
Soneto XXXIX
Argos para outras cousas, Polifemo
Só para esta, despois que a noite abraça,
Que astuto caçador da surda caça,
Que sereia te pôs em tanto extremo?Torna mancebo em ti, que a vida temo
Te seja a sombra deste teixo escassa,
Ou qual figueira ao touro te desfaça
O lustre, o brio, o teu valor supremo.Deixa seco e sem glória o tronco verde
Com seus torcidos nós a branca hera,
Este de honra, ser, vida, te despoja.Porque despois não digas “quem soubera?”
O nome funeral de quem te perde,
Se ousa a língua dizê-lo, aqui se arroja.
Soneto XXXI
Fujo de mi, quando me não precato
Sem querer outra vez me acho comigo,
Tenho-me por suspeito e inimigo,
E comigo perpétua guerra trato.Entrando em mi destruo, prendo e mato,
Mas eu quando me vejo em tal pirigo
Contra mi me levanto e me persigo
A ferro e sangue, sem querer contrato.Por mi tenho os sentidos, que me acodem;
A razão co’a vontade e co’a memória
Sustentam contra mi outro partido.Ai civil guerra sem despojo e glória,
Onde os que podem mais contra si podem,
Onde o que é vencedor fica vencido.
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memória
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
XVII
Deixa, que por um pouco aquele monte
Escute a glória, que a meu peito assiste:
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar à margem desta fonte.Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
Só costumada às vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!
Diz-me, Amor, como Te Sou Querida
Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
XLV
A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do alivio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.Corre o desejo ao vê-lo descoberto;
Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.Faz-se parcial da dita a desventura;
Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura
Dedicatória
Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta cousa afinal na nossa história…
E este verso – é a feliz dedicatória…
onde a minha alma inteira se declara…Abre este livro… E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração…E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!
Luz entre Sombras
É noite medonha e escura,
Muda como o passamento*
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.No entanto…minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.
Soneto IV – A Uma Senhora
Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade ímpia,
Tu, amada do Anjo d’Harmonia,
Que te fazes ouvir tão docemente.Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lá dos mortos na soidão sombria
Operou-se um milagre de repente.A morte sobre a fouce, entristecida,
Amarguradas lágrimas verteu,
Talvez do fero ofício arrependida!Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glória um — bravo — deu.
Tem a Virtude o Prémio
Tardio às vezes, sempre merecido,
Tem a Virtude o prémio aparelhado
Ao profícuo talento, ao peito honrado,
Que do dever o stádio tem corrido.O Sábio, que dos louros esquecido
Só no obrar bem os olhos tem cravado
Inópino também se acha c’roado
Por mãos sob’ranas c’o laurel devidoÚtil à Pátria seja, as paixões dome,
Seja piedoso, honesto, afável, justo;
Que no futuro o espera ínclito nome.»Assim falou Minerva ao Coro augusto,
Pondo no Templo do imortal Renome,
De glória ornado, o teu prezado Busto.
Soneto Ao Falso Fingidor
Há poeta que se ampara na velhice
como um cego que se apóia na bengala
tateando tristes trilhas da sandice
na claudicante fala que se entala.Empalado nos versos da mesmice
seus poemas-burocratas cospem lágrimas
num chororô nostálgico em pieguice
à procura de glória em ante-salas.Colhe, assim, as benesses oficiais,
prebendas, sinecuras, doutorados,
honoríficas causas e que tais.Em vala rasa cala desolado
despindo-se do linho das vestais
para juntar-se ao sono de olvidados.
Terra Do Brasil
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança…Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
De Mayseder Gentil O Vulto Ingente
De Mayseder gentil o vulto ingente
De Corelli, de Spohr e de Nardini,
De Ole Bull supernal, de Veracini
Inspirados por Deus c’o plectro ardente;Dessa lira febril, áurea, potente
Do artista sem par, de Paganini;
De Viotti dinal, do herói Tardini,
De Lafont, de Baillot, Eck e Laurenti:Sois rival feliz! e nesse crânio
Há em jorros, oh céus! extravasando
O ardor musical, o ardor titâneo…Já bem cedo, veloz, ides galgando
Lá da glória os degraus, o supedâneo
Sobre um trono de luz rindo e cantando.
Justitia Mater
Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D’um deus que luta, poderoso e inculto.Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!