LIV
Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incĂŞndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cĂtara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.Se vós, glórias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
NĂŁo ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tĂŁo livre de vĂłs, que da saudade
Não receia abrasar-se no tormento.Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.
Sonetos sobre Horas de Cláudio Manuel da Costa
10 resultadosLXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂa!Já crĂ©dito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.
II
Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:NĂŁo vĂŞs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
NĂŁo vĂŞs ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.Turvo banhando as pálidas areias
Nas porções do riquĂssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
XVII
Deixa, que por um pouco aquele monte
Escute a glĂłria, que a meu peito assiste:
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar à margem desta fonte.Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
SĂł costumada Ă s vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!
LXVIII
Apenas rebentava no oriente
A clara luz da aurora, quando Fido,
O repouso deixando aborrecido,
Se punha a contemplar no mal, que sente.VĂŞ a nuvem, que foge ao transparente
AnĂşncio do crepĂşsculo luzido;
E vĂŞ de todo em riso convertido
O horror, que dissipara o raio ardente.Por que (diz) esta sorte, que se alcança
Entre a sombra, e a luz, nĂŁo sinto agora
No mal, que me atormenta, e que me cansa?Aqui toda a tristeza se melhora:
Mas eu sem o prazer de uma esperança
Passo o ano, e o mĂŞs, o dia, a hora.
XXXIX
Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glĂłria, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que entĂŁo me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
VĂŞ-se a ruĂna ao desengano exposta:Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!
LXXXII
Piedosos troncos, que a meu terno pranto
Comovidos estais, uma inimiga
E quem fere o meu peito, Ă© quem me obriga
A tanto suspirar, a gemer tanto.Amei a Lise; Ă© Lise o doce encanto,
A bela ocasiĂŁo desta fadiga;
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga
Em um tormento, em um fatal quebranto?Deixou-me a ingrata Lise: se alguma hora
VĂłs a vĂŞdes talvez, dizei, que eu cego
Vos contei… mas calai, calai embora.Se tanto a minha dor a elevar chego,
Em fé de um peito, que tão fino adora,
Ao meu silĂŞncio o meu martĂrio entrego.
LI
Adeus, Ădolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂsera publica,
Que tens barbaramente conseguido.Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;Na imensa confusão de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂtima de uma alma em teus altares.
XLVIII
Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuĂa,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:Então é, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruĂna, o bem fingido.
XXX
NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora sĂł, que a mĂsera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂvio pode dar me esta porfia!Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.