IV
Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramariaNĂŁo atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria…Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora…Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que nĂŁo entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
Sonetos sobre Humanos de Olavo Bilac
5 resultadosXIV
Viver nĂŁo pude sem que o fel provasse
Desse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não há que passe
Virgem de todo pela vida humana.Por que tanta serpente atra e profana
Dentro d’alma deixei que se aninhasse?
Por que, abrasado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face?Depois dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti duro castigo aos meus desejos
O gume fino de perversos dentes…E nĂŁo posso das faces poluĂdas
Apagar os vestĂgios desses beijos
E os sangrentos sinais dessas feridas!
Vanitas
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mĂŁos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te Ă luz do dia!Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor Ă mina ampla e secreta!Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pĂ© de um grĂŁo de areia…
Vita Nuova
Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!Não me fales das lágrimas perdidas,
NĂŁo me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? que importa,Se inda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!
MĂşsica Brasileira
Tens, Ă s vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadĂŞncia, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes sĂŁo desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de trĂŞs saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.