Sonetos sobre IlusĂŁo

84 resultados
Sonetos de ilusão escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

CrepĂșsculo

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docĂșra triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recĂŽndita paz das horas esquecidas,
vĂŁo, ao luar da saudade, os sonhos acordando…

E, na torre do peito, em plĂĄcidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusÔes perdidas.

Primavera

A meu irmĂŁo Odilon dos Anjos

Primavera gentil dos meus amores,
– Arca cerĂșlea de ilusĂ”es etĂ©reas,
Chova-te o Céu cintilaçÔes sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virå, porém, o triste outono,
Os dias voltarĂŁo a ser tristonhos
E tu hĂĄs de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerĂșleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!

As Minhas IlusÔes

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă  beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂ­vel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ășltimo suspiro, a estremecer!

O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas IlusÔes, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …

Caminheiro

Eu ando pela vida à procura de alguém
que saiba compreender minha alma incompreendida,
alguém que queira dar-me a sua própria vida
como eu lhe dar pretendo o meu viver tambĂ©m…

Caminheiro do ideal – seguindo para o alĂ©m
vou traçando uma rota estranha e indefinida,
– nĂŁo sei se em minha estrada hei de encontrar guarida,
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. .

JĂĄ me sinto cansado… E em vĂŁo ainda caminho
na ilusĂŁo de encontrar um dia a companheira
que me ajude na vida a construir meu ninho…

Boemia do destino!… Hei de andar… hei de andar…
até que esta minha alma errante e aventureira
descanse numa cruz cansada de sonhar!…

Ciganos em Viagem

A tribo que prevĂȘ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrÔes, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde jĂĄ fulgurou muita ilusĂŁo amada.

Na buraca onde estĂĄ encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stĂĄ aberto
O império familiar das trevas do futuro!

Tradução de Delfim Guimarães

Linda

Intimamente sinto uma grande vontade
de nĂŁo mais duvidar do que vocĂȘ me diz,
– de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz…

Quero crer… na inconstĂąncia e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, nĂŁo sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que Ă© meu o seu amor, sĂł meu… de mais ninguĂ©m…

Quero nessa ilusĂŁo – minha Ă­ntima esperança
transformar na feliz e invejĂĄvel certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança…

Mas Ă© inĂștil, bem sei… A dĂșvida nĂŁo finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
nĂŁo sei como confiar em quem nasceu tĂŁo linda!

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pĂĄlido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă  sepultura…

No coração, – um horto de martĂ­rios! –
Brotam sem fim as ilusÔes douradas,
Como nas campas desabrocham lĂ­rios.

No Claustro

Pelas do claustro salas silenciosas
De lutulentas, Ășmidas arcadas,
Na vastidĂŁo silente das caladas
AbĂłbodas sombrias tenebrosas,

Vagueiam tristemente desfiladas
De freiras e de monjas tristurosas,
Que guardam cinzas de ilusÔes passadas,
Que guardam pĂ©r’las de funĂ©reas rosas.

E Ă  noute quando rezam na clausura,
No sigilo das rezas misteriosas,
Nem a sombra mais leve de ventura!

Sempre as arcadas ogivais, desnudas,
E as mesmas monjas sempre tristurosas,
E as mesmas portas impassĂ­veis, mudas!

A Nossa Casa

A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde estĂĄ ela, Amor, que nĂŁo a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
ConstrĂłi-a, num instante, o meu desejo!

Onde estĂĄ ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
SerĂĄ mais puro e doce que uma asa?

Sonho… que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mĂŁos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num paĂ­s de ilusĂŁo que nunca vi…
E que eu moro – tĂŁo bom! – dentro de ti
E tu, Ăł meu Amor, dentro de mim…

Noite Cruel

A meu irmĂŁo Henrique

Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a mĂșsica sonora
Da ilusĂŁo a cantar da vida nos refolhos…

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar – Ăł supremo desgosto! –
A mĂŁo doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o CĂ©u suspenso de uma Cruz…

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mĂŁos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

Fui Gostar De VocĂȘ

“Fui Gostar de VocĂȘ”
I
Fui gostar de vocĂȘ, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
IlusĂŁo!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…

Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…

Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…

Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as mĂșltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto

VisÔes Da Noite

Passai tristes fantasmas! O que Ă© feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmĂłreo leito!

Outras no encalço de fatal proveito
Buscam Ă  noite as saturnais escuras,
Onde empenhando as murchas formosuras
Ao demĂŽnio do ouro rendem preito!

Todas sem mais amor! sem mais paixÔes!
Mais uma fibra trĂȘmula e sentida!
Mais um leve calor nos coraçÔes!

PĂĄlidas sombras de ilusĂŁo perdida,
Minh’alma estĂĄ deserta de emoçoes,
Passai, passai, nĂŁo me poupeis a vida!

Divina Comédia

Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisĂ­veis,
Os homens clamam: — «Deuses impassĂ­veis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque Ă© que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e sĂł gera, inestinguĂ­veis,
Dor, pecado, ilusĂŁo, lutas horrĂ­veis,
N’um turbilhĂŁo cruel e delirante…

Pois nĂŁo era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda nĂŁo existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que Ă© que nos criastes?»

Namorados

Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estĂŁo seguindo
o mais suave de todos os caminhos…

Com gravetos de sonho vĂŁo construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplĂȘndida ilusĂŁo de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…

Nada tolda os seus olhos… Nem um vĂ©u…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vĂȘem Ă© o azul do cĂ©u…

Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!

D. Quixote

Assim Ă  aldeia volta o da “triste figura”
Ao tardo caminhar do Rocinante lento:
No arcaboiço dobrado – um grande desalento,
No entristecido olhar – uns laivos de loucura…

Sonhos, a glĂłria, o amor, a alcantilada altura
Do ideal e da FĂ©, tudo isto num momento
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre os risos boçais do Bacharel e o Cura.

Mas, certo, Ăł D. Quixote, ainda foi clemente
Contigo a sorte, ao pÎr nesse teu cérebro oco
O brilho da IlusĂŁo do espĂ­rito doente;

Porque hĂĄ cousa pior: Ă© o ir-se a pouco e pouco
Perdendo, qual perdeste, um ideal ardente
E ardentes ilusĂ”es – e nĂŁo se ficar louco!

RuĂ­nas

I

E Ă© triste ver assim ir desfolhando,
VĂȘ-las levadas na amplidĂŁo do ar,
As ilusÔes que andåmos levantando
Sobre o peito das mĂŁes, o eterno altar.

Nem sabe a gente jĂĄ como, nem quando,
HĂĄ-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vĂŁo perdidas, vĂŁo boiando
Nesta corrente elĂ©ctrica do mar!…

Ó ciĂȘncia, minha amante, Ăł sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo…
Nunca o teu lĂĄbio conheceu piedade!

Mas caia embora o velho paraĂ­so,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.

II

Morreu-me a luz da crença — alva cecĂ©m,
Pålida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.

A graça, as ilusÔes, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razĂŁo.

Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herĂłi antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.

A implacĂĄvel, a rĂ­gida ciĂȘncia
Deixou-me unicamente a ProvidĂȘncia,

Continue lendo…

Paira No AmbĂ­guo Destinar-Se

Paira no ambĂ­guo destinar-se
Entre longĂ­nquos precipĂ­cios,
A Ăąnsia de dar-se preste a dar-se
Na sombra vaga entre suplĂ­cios,

Roda dolente do parar-se
Para, velados sacrifĂ­cios,
Não ter terraços sobre errar-se
Nem ilusÔes com interstícios,

Tudo velado, e o Ăłcio a ter-se
De leque em leque, a aragem fina
Com consciĂȘncia de perder-se…

Tamanha a flama e pequenina
Pensar na mĂĄgoa japonesa
Que ilude as sirtes da Certeza.

Lisboa

Ó Cidade da Luz! PerpĂ©tua fonte
De tĂŁo nĂ­tida e virgem claridade,
Que parece ilusĂŁo, sendo verdade,
Que o sol aqui feneça e nĂŁo desponte…

Embandeira-se em chamas o horizonte:
Um fulgor ĂĄureo e rĂłseo tudo invade:
SĂŁo mil os panoramas da Cidade,
Surge um novo mirante em cada monte.

Ó Luz ocidental, mais que a do Oriente
Leve, esmaltada, pura e transparente,
Claro azulejo, madrugada infinda!

E Ă©s, ao sol que te exalta e te coroa,
— Loira, morena, multicor Lisboa! —
TĂŁo pagĂŁ, tĂŁo cristĂŁ, tĂŁo moira ainda…

RĂ©quiem Do Sol

Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusĂ”es as trĂȘmulas coortes
Buscam a luz do teu clarĂŁo magoado…

A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhÔes de mortes
Passa em tropel de trĂĄgicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangĂŒentado…

Do alto dominas vastidÔes supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…

Mas lĂĄ, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!

RenĂșncia

Quero-te muito, muito – o nosso amor
Ă© belo, bem o sei, mas nĂŁo o mereço…
– da incerteza em que vivo nĂŁo me esqueço,
– sĂł da renĂșncia eu devo pois dispor…

NĂŁo passo de um ousado sonhador
nascido na pobreza – reconheço
que a riqueza dos versos não tem preço:
– o destino de um poeta Ă© enganador…

Dividir meu viver, eu, pois, nĂŁo quero…
PoderĂĄs amanhĂŁ vir maldizer
este amor que Ă© a ilusĂŁo que mais venero…

Esquece… Esquece os sonhos que eu desfiz…
-Para o teu bem tu deves me esquecer
jĂĄ que nĂŁo posso te fazer feliz!…