Sonetos sobre Imagem de Augusto dos Anjos

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Versos D’um Exilado

Eu vou partir. Na lĂ­mpida corrente
Rasga o batel o leito d’água fina
– Albatroz deslizando mansamente
Como se fosse vaporosa Ondina.

Exilado de ti, oh! Pátria! Ausente
Irei cantar a mágoa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d’amor, Ă  luz do sol nascente!

Não mais virei talvez e, lá sozinho,
Hei de lembrar-me do meu pátrio ninho,
D’onde levo comigo a nostalgia

E esta lembrança que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que já tive um dia!

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longĂ­nquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fĂşlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus prĂłprios sonhos!

O Caixão Fantástico

CĂ©lere ia o caixĂŁo, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberratórias abstrações abstrusas!

Nesse caixĂŁo iam talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditĂłrias e confusas!

A energia monástica do Mundo,
Ă€ meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal cĂ©rebro cheio…

Era tarde! Fazia muito frio.
Na rua apenas o caixĂŁo sombrio
Ia continuando o seu passeio!

A Fome E O Amor

A um monstro

Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,
Receando outras mandĂ­bulas a esbangem,
Os dentes antropĂłfagos que rangem,
Antes da refeição sanguinolenta!

Amor! E a satirĂ­asis sedenta,
Rugindo, enquanto as almas se confrangem,
Todas as danações sexuais que abrangem
A apolĂ­nica besta famulenta!

Ambos assim, tragando a ambiĂŞncia vasta,
No desembestamento que os arrasta,
SuperexcitadĂ­ssimos, os dois

Representam, no ardor dos seus assomos
A alegoria do que outrora fomos
E a imagem bronca do que inda hoje sois!