Sonetos sobre Ingratos

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Sonetos de ingratos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O MartĂ­rio Do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ăşltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂ­ngua,
E nĂŁo lhe vem Ă  boca uma palavra!

Ingratos

NĂŁo maldigo o rigor da inĂ­qua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos sĂł estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contĂ­nua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

O poeta asseteado por amor

Ă“ CĂ©us! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem nĂŁo receia
Contemplar Ursulina um sĂł momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrĂ­lega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
Ă€ tua linda ingrata algum suspiro.”

Lusitânia Querida

Lusitânia querida! Se não choro
Vendo assim lacerado o teu terreno,
NĂŁo Ă© de ingrata filha o dĂł pequeno;
Rebeldes julgo os ais, se te deploro.

Admiro de teus danos o decoro.
Bebeu SĂłcrates firme seu veneno;
E em qualquer parte do perigo o aceno
Encontra e cresce o teu valor, que adoro.

Mais que a vitĂłria vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de opressões fatais,
Se arrasada te vĂŞs, sem percebĂŞ-lo.

Povos! a independência que abraçais
Aplaude, alegre, o estrago, e grita ao vĂŞ-lo:
“RuĂ­na sim, mas servidĂŁo jamais!”

LI

Adeus, Ă­dolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂ­sera publica,
Que tens barbaramente conseguido.

Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.

E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;

Na imensa confusĂŁo de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂ­tima de uma alma em teus altares.

LXV

Ingrata foste, Elisa; eu te condeno
A injusta sem-razĂŁo; foste tirana,
Em renderes, belĂ­ssima serrana,
A tua liberdade ao néscio Almeno.

Que achaste no seu rosto de sereno,
De belo, ou de gentil, para inumana
Trocares pela dele esta choupana,
Em que tinhas o abrigo mais ameno?

Que canto em teu louvor entoaria?
Que te podia dar o pastor pobre?
Que extremos, mais do que eu, por ti faria?

O meu rebanho estas montanhas cobre:
Eu os excedo a todos na harmonia;
Mas ah que ele Ă© feliz! Isto lhe sobre

XXX

NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂ­vio pode dar me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.

A Morte, Que Da Vida O NĂł Desata

A Morte, que da vida o nĂł desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na AusĂŞncia, que Ă© contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
ĂĽa Ă© RazĂŁo contra a Fortuna austera,
outra, contra a RazĂŁo, Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potĂŞncia
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;

porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da AusĂŞncia,
do Tempo, da RazĂŁo e da Fortuna.

Taça De Coral

LĂ­cias, pastor – enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
– Sede tambĂ©m, sede maior, desmaia.

Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d’água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.

Bebe, e a golpe e mais golpe: – “Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!

Outra que mais me aflige e me tortura,
E nĂŁo em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral Ă© que se mata”,

Desaires Da Formosura.

Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho Ă© de Caterina;
E porque docemente obriga e mata,
NĂŁo livra o ser divina em ser ingrata
E raio a raio os corações fulmina.

Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias
A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias
Se sendo tĂŁo formosa nĂŁo cagaras!