O MartĂrio Do Artista
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ăşltimo momento!Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralĂtico que, Ă mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavraFebre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂngua,
E nĂŁo lhe vem Ă boca uma palavra!
Sonetos sobre Ingratos
30 resultadosIngratos
NĂŁo maldigo o rigor da inĂqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contĂnua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.
O poeta asseteado por amor
Ă“ CĂ©us! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem nĂŁo receia
Contemplar Ursulina um sĂł momento!“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrĂlega loucura:“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
Ă€ tua linda ingrata algum suspiro.”
Lusitânia Querida
Lusitânia querida! Se não choro
Vendo assim lacerado o teu terreno,
NĂŁo Ă© de ingrata filha o dĂł pequeno;
Rebeldes julgo os ais, se te deploro.Admiro de teus danos o decoro.
Bebeu SĂłcrates firme seu veneno;
E em qualquer parte do perigo o aceno
Encontra e cresce o teu valor, que adoro.Mais que a vitĂłria vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de opressões fatais,
Se arrasada te vês, sem percebê-lo.Povos! a independência que abraçais
Aplaude, alegre, o estrago, e grita ao vĂŞ-lo:
“RuĂna sim, mas servidĂŁo jamais!”
LI
Adeus, Ădolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂsera publica,
Que tens barbaramente conseguido.Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;Na imensa confusão de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂtima de uma alma em teus altares.
LXV
Ingrata foste, Elisa; eu te condeno
A injusta sem-razĂŁo; foste tirana,
Em renderes, belĂssima serrana,
A tua liberdade ao néscio Almeno.Que achaste no seu rosto de sereno,
De belo, ou de gentil, para inumana
Trocares pela dele esta choupana,
Em que tinhas o abrigo mais ameno?Que canto em teu louvor entoaria?
Que te podia dar o pastor pobre?
Que extremos, mais do que eu, por ti faria?O meu rebanho estas montanhas cobre:
Eu os excedo a todos na harmonia;
Mas ah que ele Ă© feliz! Isto lhe sobre
XXX
NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora sĂł, que a mĂsera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂvio pode dar me esta porfia!Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.
A Morte, Que Da Vida O NĂł Desata
A Morte, que da vida o nĂł desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na AusĂŞncia, que Ă© contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
ĂĽa Ă© RazĂŁo contra a Fortuna austera,
outra, contra a RazĂŁo, Fortuna ingrata.Mas mostre a sua imperial potĂŞncia
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da AusĂŞncia,
do Tempo, da RazĂŁo e da Fortuna.
Taça De Coral
LĂcias, pastor – enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
– Sede tambĂ©m, sede maior, desmaia.Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d’água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pĂ© do Alfeu tarro escultado bebe.Bebe, e a golpe e mais golpe: – “Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!Outra que mais me aflige e me tortura,
E nĂŁo em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral Ă© que se mata”,
Desaires Da Formosura.
Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.Este o rostinho Ă© de Caterina;
E porque docemente obriga e mata,
NĂŁo livra o ser divina em ser ingrata
E raio a raio os corações fulmina.Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias
A quem já tanto amor levantou aras:Disse igualmente amante e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias
Se sendo tĂŁo formosa nĂŁo cagaras!