Sê Altivo!
Altos pinheiros septuagenarios
E ainda empertigados sobre a serra!
Sois os Enviados-extraordinarios,
Embaixadores d’El-Rey Pan, na Terra.A noite, sob aquelles lampadarios,
Conferenciaes com elle… Ha paz? Ha guerra?
E tomam notas vossos secretarios,
Que o Livro Verde secular encerra.Hirtos e altos, Tayllerands dos montes!
Tendes a linha, não vergaes as frontes
Na exigencia da côrte, ou beija-mão!Voltaes aos homens com desdem a face…
Ai oxalá! que Pan me despachasse
Addido á vossa extranha legação!
Sonetos Interrogativos
507 resultadosSoneto 575 Revisitado
Quem disse que o Natal é só mercado?
Por trás do panetone ou da castanha
está um publicitário, uma campanha,
o lucro, as estatísticas, o Estado.É certo. Mas o espírito arraigado
mais dura que o presente que se ganha,
mais lembra que um peru, que uma champanha
a alguém com mais futuro que passado.Pois ela, a criancinha, é quem segura
o tempo, em seu efêmero momento,
salvando algo de júbilo ou ternura.Esqueça-se o comércio! Ainda tento
rever cada Natal, cada gravura
em meio a tanto adulto rabugento…
E de Novo, Lisboa…
E de novo, Lisboa, te remancho,
numa deriva de quem tudo olha
de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?
Em Tormentos Cruéis
Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
em tão contínua dor, que nunca aliva,
chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
se ria dos meus rogos, no tormento!E ver no mal que todo entendimento
naturalmente foge, e quanto aviva
a dor mais o vagar da alma cativa,
a quem não fará crer que é tudo um vento?Bem sei uns olhos, que têm toda a culpa,
e são os meus, que a toda parte vêm
após o que vêem sempre e os desculpa.Ó minhas visões altas, meu só bem,
quem vos a vós não vê, esse me culpa,
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém!
No Turbilhão
(A Jaime Batalha Reis)
No meu sonho desfilam as visões,
Espectros dos meus próprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
Arrebatado em vastos turbilhões…N’uma espiral, de estranhas contorsões,
E d’onde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaços, as feições…— Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,
Que me fitais com formidável calma,
Levados na onda turva do escarcéu,Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?
Quem sois, visões misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!…
Por Que Falar De Amor ?
“Por Que Falar De Amor ?”
II
Não compreendias, quando o ciúme
num egoísmo de amor te acompanhava,
mas, por que não dizer? punha perfume
na ternura que em nós desabrochava…O amor é uma arma de afiado gume
que, se cortava a ti, a mim cortava,
– que tu cegaste, e agora se resume
em desejo somente, fumo e lava.Lava que escorre, e que destrói aos poucos…
E se os mais belos sonhos se consomem
nesses anseios cada vez mais loucos,por que falar de amor? Foste lograda:
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!
Desenganado da Aparência Exterior
DESENGANADO DA APARÊNCIA EXTERIOR COM O EXAME INTERIOR E VERDADEIRO
Vês tu este gigante corpulento
que solene e soberbo se reclina?
Pois por dentro é farrapos e faxina,
e é um carregador seu fundamento.Com sua alma vive e é movimento,
e onde ele quer sua grandeza inclina;
mas quem seu modo rígido examina
despreza tal figura e ornamento.São assim as grandezas aparentes
da presunção vazia dos tiranos:
fantásticas escórias eminentes.Vês que, em púrpura ardendo, são humanos?
As mãos com pedrarias são diferentes?
Pois dentro nojo são, terra e gusanos.Tradução de José Bento
Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado
Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razão comigo usastes?
Quem foi, por quem tão presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?Trocastes-me um descanso em um cuidado
tão duro, tão cruel, qual m’ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercê,
amor com desamor me revolveu.Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo é
que pague com chorar o que perdeu.
A Antônio Nobre
Tu que penaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto…Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca… O lindo som!Quem me dará o beijo que cobiço?
Foste conde aos vinte anos… Eu, nem isso…
Eu, não terei a Glória… nem fui bom.
LVIII
Altas serras, que ao Céu estais servindo
De muralhas, que o tempo não profana,
Se Gigantes não sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?lá sobre o vosso cume se está rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!Mas ai! a que delírios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vós descubro ó penhas o seu peito?
Pouco te Ama
Na metade do Céu subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da água fria.Com a folha das árvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O módulo cantar, de que cessavam,
Só nas roucas cigarras se sentia.Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.Porque te vás de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
Tédio
Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer…Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!E é tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plácido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…
XLVI
Não vês, Lise, brincar esse menino
Com aquela avezinha? Estende o braço;
Deixa-a fugir; mas apertando o laço,
A condena outra vez ao seu destino?Nessa mesma figura, eu imagino,
Tens minha liberdade; pois ao passo,
Que cuido, que estou livre do embaraço,
Então me prende mais meu desatino.Em um contínuo giro o pensamento
Tanto a precipitar-me se encaminha,
Que não vejo onde pare o meu tormento.Mas fora menos mal esta ânsia minha,
Se me faltasse a mim o entendimento,
Como falta a razão a esta avezinha.
O Espírito
Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Cogitação
Ah! mas então tudo será baldado?!
Tudo desfeito e tudo consumido?!
No Ergástulo d’ergástulos perdido
Tanto desejo e sonho soluçado?!Tudo se abismará desesperado,
Do desespero do Viver batido,
Na convulsão de um único Gemido
Nas entranhas da Terra concentrado?!nas espirais tremendas dos suspiros
A alma congelará nos grandes giros,
Ratejará e rugirá rolando?!Ou entre estranhas sensações sombrias,
Melancolias e melancolias,
No eixo da alma de Hamlet irá girando?!
Antes De Conhecer-Te, Eu Já Te Amava
Antes de conhecer-te, eu já te amava.
Porque sempre te amei a vida inteira:
Eras a irmã, a noiva, a companheira,
A alma gêmea da minha que eu sonhava.Com o coração, à noite, ardendo em lava
Em meus versos vivias, de maneira
Que te contemplo a imagem verdadeira
E acho a mesma que outrora contemplava.Amo-te. Sabes que me tens cativo.
Retribuis a afeição que em mim fulgura,
Transfigurada nos anseios da Arte.Mas, se te quero assim, por que motivo
Tardaste tanto em vir, que hoje é loucura,
Mais que loucura, um crime desejar-te?
Alma Solitária
Ó alma doce e triste e palpitante!
Que cítaras soluçam solitárias
Pelas Regiões longínquas, visionárias
Do teu Sonho secreto e fascinante!Quantas zonas de luz purificante,
Quantos silêncios, quantas sombras várias
De esferas imortais imaginárias
Falam contigo, ó Alma cativante!Que chama acende os teus faróis noturnos
E veste os teus mistériosa taciturnos
Dos esplendores do arco de aliança?Por que és assim, melancolicamente,
Como um arcanjo infante, adolescente,
Esquecido nos vales da Esperança?!
O Meu Condão
Quis Deus dar-me o condão de ser sensível
Como o diamante à luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantástica, impossível:
– Um bailado de cor e fantasia!Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixão estranha, ardente, incrível!
Erguer em mim o facho inextinguível,
Como um cinzel vincando uma agonia!Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– Vãos, os meus braços de crucificada,
Inúteis, esses beijos que te dei!Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…
Quando As Folhas Caírem Nos Caminhos
Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
– “Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!”E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos…E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.
Minh’alma Está Agora Penetrando
Minh’alma está agora penetrando
Lá na etérea plaga, cristalina!
Que música meu Deus febril, divina
Nos páramos azuis vai retumbando!Além, d’áureo dossel se está rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
Diáfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croadoDe um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lábios faz soltar pujante brado
Hosanas! não morreu! apenas dorme.