Vozes De Um TĂșmulo
Morri! E a Terra – a mĂŁe comum – o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
TĂąntalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!Por que para este cemitério vim?!
Por quĂȘ?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque nĂŁo tem fim!No ardor do sonho que o fronema exalta
ConstruĂ de orgulho ĂȘnea pirĂąmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronouA pirùmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciĂȘncia de que nada sou!
Sonetos Interrogativos de Augusto dos Anjos
27 resultadosA Idéia
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incĂłgnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegraçÔes maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida Ă s cordas do laringe,
TĂsica, tĂȘnue, mĂnima, raquĂtica …Quebra a força centrĂpeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da lĂngua paralĂtica
Natureza Ăntima
Ao filĂłsofo Farias Brito
Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!E a Natureza disse com desgosto:
“Terei somente, porventura, rosto?!
“Serei apenas mera crusta espessa?!“Pois Ă© possĂvel que Eu, causa do Mundo,
“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,
“Menos interiormente me conheça?!”
Idealismo
Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade Ă© uma mentira.
Ă. E Ă© por isto que na minha lira
De amores fĂșteis poucas vezes falo.O amor! Quando virei por fim a amĂĄ-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
Ă o amor do sibarita e da hetaĂra,
De Messalina e de Sardanapalo?!Pois Ă© mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
– Alavanca desviada do seu fulcro –E haja sĂł amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
VolĂșpia Imortal
Cuidas que o genesĂaco prazer,
Fome do ĂĄtomo e eurĂtmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!NĂŁo! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!Surdos destarte a apĂłstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorçÔes sensuais,Haurindo o gĂĄs sulfĂdrico das covas,
Com essa volĂșpia das ossadas novas
HĂŁo de ainda se apertar cada vez mais!
O Morcego
Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vĂȘde:
Na bruta ardĂȘncia orgĂąnica da sede,
Morde-me a goela Ăgneo e escaldante molho.“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocĂĄ-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tĂŁo feio parto?!A ConsciĂȘncia Humana Ă© este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
A Meu Pai Doente
Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tambĂ©m, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!Que cousa triste! O campo tĂŁo sem flores,
E eu tão sem crença e as årvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
MĂĄgoas crescendo e se fazendo horrores!Magoaram-te, meu Pai?! Que mĂŁo sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!– Seria a mĂŁo de Deus?! Mas Deus enfim
Ă bom, Ă© justo, e sendo justo, Deus,
Deus nĂŁo havia de magoar-te assim!