Sonetos Interrogativos de Augusto dos Anjos

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Vozes De Um TĂșmulo

Morri! E a Terra – a mĂŁe comum – o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
TĂąntalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu prĂłprio filho!

Por que para este cemitério vim?!
Por quĂȘ?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque nĂŁo tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta
ConstruĂ­ de orgulho ĂȘnea pirĂąmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou

A pirĂąmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciĂȘncia de que nada sou!

A Idéia

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incĂłgnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegraçÔes maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida Ă s cordas do laringe,
TĂ­sica, tĂȘnue, mĂ­nima, raquĂ­tica …

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da lĂ­ngua paralĂ­tica

Natureza Íntima

Ao filĂłsofo Farias Brito

Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:
“Terei somente, porventura, rosto?!
“Serei apenas mera crusta espessa?!

“Pois Ă© possĂ­vel que Eu, causa do Mundo,
“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,
“Menos interiormente me conheça?!”

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade Ă© uma mentira.
É. E Ă© por isto que na minha lira
De amores fĂșteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amĂĄ-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois Ă© mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
– Alavanca desviada do seu fulcro –

E haja sĂł amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

VolĂșpia Imortal

Cuidas que o genesĂ­aco prazer,
Fome do ĂĄtomo e eurĂ­tmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

NĂŁo! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apĂłstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorçÔes sensuais,

Haurindo o gĂĄs sulfĂ­drico das covas,
Com essa volĂșpia das ossadas novas
HĂŁo de ainda se apertar cada vez mais!

O Morcego

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vĂȘde:
Na bruta ardĂȘncia orgĂąnica da sede,
Morde-me a goela Ă­gneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocĂĄ-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tĂŁo feio parto?!

A ConsciĂȘncia Humana Ă© este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

A Meu Pai Doente

Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tambĂ©m, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!

Que cousa triste! O campo tĂŁo sem flores,
E eu tão sem crença e as årvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
MĂĄgoas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, meu Pai?! Que mĂŁo sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!

– Seria a mĂŁo de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, Ă© justo, e sendo justo, Deus,
Deus nĂŁo havia de magoar-te assim!