Sonetos Interrogativos de Luís de CamÔes

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Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, Ăł Porcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
É que Amor fazer sĂł quis experiĂȘncia
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu prĂłprio sangue te convida
A que faças Ă  morte resistĂȘncia?
É que costume faço da paciĂȘncia,
Porque o temor morrer me nĂŁo impida.

Pois porque estĂĄs comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada nĂŁo se sente,
E nĂŁo quero eu a morte sem a pena.

Hei-de Tomar-te

Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoudeço,
Que fora co’os cabelos que apertaste?

Aquelas tranças de ouro que ligaste,
Que os raios de sol tĂȘm em pouco preço,
Não sei se para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
E por satisfação de minhas dores,
Como quem nĂŁo tem outra, hei-de tomar-te.

E se nĂŁo for contente o meu desejo,
Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,
Por o todo também se toma a parte.

Que me quereis, perpétuas saudades?

Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai nĂŁo torna mais,
E se torna, nĂŁo tornam as idades.

RazĂŁo Ă© jĂĄ, Ăł anos, que vos vades,
Porque estes tĂŁo ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto sĂŁo iguais,
Nem sempre sĂŁo conformes as vontades.

Aquilo a que jĂĄ quis Ă© tĂŁo mudado,
Que quase Ă© outra cousa, porque os dias
TĂȘm o primeiro gosto jĂĄ danado.

Esperanças de novas alegrias
NĂŁo mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento sĂŁo espias.

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂ­do:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂȘs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Na Ribeira Do Eufrates Assentado

Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memĂłria
aquele breve bem, aquela glĂłria,
que em ti, doce SiĂŁo, tinha passado.

Da causa de meus males perguntado
me foi: Como nĂŁo cantas a histĂłria
de teu passado bem, e da vitĂłria
que sempre de teu mal hås alcançado?

NĂŁo sabes, que a quem canta se lhe esquece
o mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e nĂŁo chores dessa sorte.

Respondo com suspiros: Quando crece
a muita saudade, o piadoso
remédio é não cantar senso a morte.

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serĂŁo?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tĂŁo dura e ĂĄspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

Vossos Olhos, Senhora, Que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lĂĄgrimas, de vĂȘ-los, se derretem.

Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisĂŁo, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.

Mas se nisto me vedes por acerto,
o ĂĄspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.

Ó gentil cura e estranho desconcerto!
Que farĂĄ o favor que vĂłs nĂŁo dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?

Tempo É Já Que Minha Confiança

Tempo é jå que minha confiança
se desça de ĂŒa falsa opiniĂŁo;
mas Amor nĂŁo se rege por razĂŁo;
não posso perder, logo, a esperança.

A vida, si; que ĂŒa ĂĄspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que nĂŁo consente
quietação nĂŒa alma que Ă© cativa!

Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glĂłria fugitiva
de ĂŒa esperança vĂŁ que me atormente?

Se pena por amar-vos se merece

Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre estĂĄ? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?

Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.

Mas se merece pena quem amando
ContĂ­nuo vos estĂĄ, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo Ă© vosso.

Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.

Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento

Ah! imiga cruel, que apartamento
Ă© este que fazeis da pĂĄtria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glĂłria dos olhos, bem do pensamento?

Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’ĂĄgua, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?

Mas jĂĄ que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o CĂ©u tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.

E sĂł nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.

VĂłs SĂł Convosco mesma Andai de Amores

Porque quereis, Senhora, que ofereça
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que eu mereço,
Bem por nascer estå quem vos mereça.

Entendei que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça.

Assim que a paga igual de minhas dores
Com nada se restaura, mas deveis-ma
Por ser capaz de tantos desfavores.

E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
VĂłs sĂł convosco mesma andai de amores.

Por Cima Destas Águas, Forte E Firme

Por cima destas ĂĄguas, forte e firme,
irei por onde as sortes ordenaram,
pois, por cima de quantas me choraram
aqueles claros olhos, pude vir me.

JĂĄ chegado era o fim de despedir me,
jĂĄ mil impedimentos se acabaram,
quando rios de amor se atravessaram
a me impedir o passo de partir me.

Passei os eu com Ăąnimo obstinado,
com que a morte forçada e gloriosa
faz o vencido jĂĄ desesperado.

Em que figura, ou gesto desusado,
pode jĂĄ fazer medo a morte irosa,
a quem tem a seus pés rendido e atado?

Pensamentos, Que Agora Novamente

Pensamentos, que agora novamente
cuidados vĂŁos em mim ressuscitais,
dizei me: ainda nĂŁo vos contentais
de terdes, quem vos tem, tĂŁo descontente?

Que fantasia Ă© esta, que presente
cad’hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente?

Vejo vos, pensamentos, alterados
e nĂŁo quereis, d’esquivos, declarar me
que Ă© isto que vos traz tĂŁo enleados?

NĂŁo me negueis, se andais para negar me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar me.

Que Pode JĂĄ Fazer Minha Ventura

Que pode jĂĄ fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o nĂŁo tem, nem Ă© segura?

Que pena pode ser tĂŁo certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como recearĂĄ meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?

Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso jĂĄ o tem seguro;

assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz nĂŁo sentir jĂĄ nada o futuro.

Bem Sei, Amor, que Ă© Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que Ă© certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mĂŁo tenho metida no meu seio,
E nĂŁo vejo os meus danos Ă s escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- NĂŁo o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– LusitĂąnia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, nĂŁo mereci Dona Maria.

Mataste quem a viu?- JĂĄ morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar nĂŁo ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.

Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lĂĄ que ver?- NenhĂŒa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, jĂĄ nĂŁo posso ver-te,
TĂŁo asinha esta vida desprezaste!

Como jĂĄ pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Uma memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.

− Quem Ă© que tĂŁo gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitĂŁo de Cristo, que mais ama.

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tĂŁo alta sorte.

− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indĂ­cio
De vir a merecer tĂŁo santa morte.

Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito

Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!

Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por nĂŁo dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.

Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memĂłria nĂŁo faz senĂŁo matar-me ,

que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?

O Filho De Latona Esclarecido

O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hĂłrrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tĂŁo temido.

Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessĂĄlicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.

NĂŁo lhe pĂŽde valer, para seu dano,
ciĂȘncia, diligĂȘncias, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.

Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tĂŁo pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que Ă© mais que humano?