Sonetos sobre Lábios de Auta de Souza

4 resultados
Sonetos de lábios de Auta de Souza. Leia este e outros sonetos de Auta de Souza em Poetris.

Pobre Flor!

Deu-m’a um dia antiga companheira
De tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nívea feiticeira.

Como se apaga uma ilusão primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.

E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao seu primeiro filho.

Dei-lhe no seio uma pousada franca…
Mas, ai! depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera flor, cheirosa e branca!

Súplica

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos…

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

Tudo Passa – I

Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela…

Diz que su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou… e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.

Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece…

Oração Da Noite

Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,

Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.

Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,

Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.