Sonetos sobre Lábios

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Sonetos de lábios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Psicologia

Foi hoje que notei: – em nosso face a face
encontrei teu olhar, e assim como se deve
fazer em tal momento, um cumprimento leve
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse…

Foi hoje que notei: – tu passas orgulhosa
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo,
– voltaste o rosto atĂ©, assim como quem posa
e foste indelicada a um teu sincero amigo…

PerdĂ´o-te… É que sinto o quanto me adoraste,
do contrario, farias como eu faço, enquanto
nĂŁo nego um cumprimento ao ver que tu passaste…

Ainda sofres, bem sei… És tolinha demais…
– foi tanto o teu amor, e o teu amor Ă© tanto
que ao passares por mim nem cumprimentas mais!

Mocidade

A mocidade esplĂŞndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vĂŞ num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espĂ­rito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmĂŁ tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tĂŁo pequeno… e a vida, água a fugir…

Soneto, Ă s Cinco Horas da Tarde

Agora que me instigo e me arremesso
ao branco ofĂ­cio de prender meu sono
e depois atirá-lo em seu vestido
feito de céu e restos de incerteza,

recolho inutilmente de seus lábios
a precisĂŁo do sangue do silĂŞncio
e inauguro uma tarde em suas mĂŁos
grávidas de gestos e de rumos.

Pelo temor e o débil sobressalto
de encontrar sua ausĂŞncia numa esquina
quando extingui canção e permanência,

guardei todo o impossĂ­vel de seus olhos,
embora ouvisse, longe, além dos mapas,
bruscos mastins de cedro em seus cabelos.

Tua Carta

A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
Ă  hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…

Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religiĂŁo…

Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…

Paradoxos talvez, mentiras!… NĂŁo te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios… rezando adormeço!…

SĂşplica

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tĂŁo pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demĂŞncia feliz de pobres loucos…

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que nĂŁo morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

Que Aborrecido!

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhĂŁ, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios…
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E nĂŁo ter como tĂŞm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas nĂŁo posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, entĂŁo, depois de velho.

Ó Máquinas Febris

Ó máquinas febris! eu sinto a cada passo,
nos silvos que soltais, aquele canto imenso,
que a nova geração nos lábios traz suspenso
como a estância viril duma epopeia d’aço!

Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
levanta-se a espiral desse moderno incenso
que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!

Vós sois as criações fulgentes, fabulosas,
que, vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
mordeis o pedestal da velha Majestade!

E as grandes combustões que sempre vos consomem
começam, num cadinho, a refundir o homem
fazendo ressurgir mais larga a Humanidade!

Classicismo

LongĂ­nquo descendente dos helenos
pelo espĂ­rito claro, a alma panteĂ­sta,
– amo a beleza esplĂŞndida de VĂŞnus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lábios, tenho mel…

Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!

Variações Sérias Em Forma De Soneto

Vejo mares tranqĂĽilos, que repousam,
Atrás dos olhos das meninas sérias.
Alto e longe elas olham, mas nĂŁo ousam
Olhar a quem as olha, e ficam sérias.

Nos encantos dos lábios se lhe pousam
Uns anjos invisíveis. Mas tão sérias
SĂŁo, alto e longe, que nem eles ousam
Dar um sorriso àquelas bocas sérias.

Em que pensais, meninas, se repousam
Os meus olhos nos vossos? Eles ousam
Entrar paragens tristes tão sérias!

Mas poderei dizer-vos que eles ousam?
Ou vão, por injunções muito mais sérias,
Lustrar pecados que jamais repousam?

Emissário de um Rei Desconhecido

Emissário de um rei desconhecido,
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anĂ´malo sentido…

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missĂŁo que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me desdém
Por este humano povo entre quem lido…

NĂŁo sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou…

Mas há! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser…
Já viram Deus as minhas sensações…

Soneto VI – Ă€ Mesma Senhora

TĂŁo doce como o som da doce avena
Modulada na clave da saudade;
Como a brisa a voar na soledade,
Branda, singela, lĂ­mpida e serena;

Ora em notas de gozo, ora de pena,
Já cheia de solene majestade,
Já lânguida exprimindo piedade,
Sempre essa voz Ă© bela, sempre amena.

Mulher, do canto teu no dom supremo
A dádiva descubro mais subida
Que de um Deus pode dar o amor paterno.

E minh’alma, num ĂŞxtase embebida,
Aos teus lábios deseja um canto eterno,
E, só para gozá-lo, eterna a vida.

Realidade

Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nĂłs, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas…

Mas o mistério é flor da juventude.
NĂŁo rima com poemas desumanos.
A idade — a nossa idade! — nunca ilude.
SĂł uma vez Ă© que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
— Somos espectros na cidade em festa.

LĂ©sbia

CrĂłton selvagem, tinhorĂŁo lascivo,
Planta mortal, carnĂ­vora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosĂŁo de um sangue vivo.

Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressĂŁo violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gĂ©lido, aflitivo…

LĂ©sbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demonĂ­aca serpente
Das flamejantes atracões do gozo.

Dos teus seios acĂ­dulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os Ăłpios de um luar tuberculoso…

Horas Rubras

Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volĂşpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…

Oiço olaias em flor Ă s gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
SĂŁo pedaços de prata p’las estradas…

Os meus lábios sĂŁo brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…

Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ă“ meu Poeta, o beijo que procuras!

Rimas

Ontem – quando, soberba, escarnecias
Dessa minha paixĂŁo – louca – suprema
E no teu lábio, essa rósea algema,
A minha vida – gĂ©lida – prendias…

Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema…
Como engastar tua alma num poema?
E eu nĂŁo chorava quando tu te rias…

Hoje, que vivo desse amor ansioso
E Ă©s minha – Ă©s minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste sendo tĂŁo ditoso!

E tremo e choro – pressentindo – forte,
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida – que Ă© a morte…

A MĂŁo que a Seu Amigo Hesita em Dar-se

Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos Ă­mpetos consigo

Neste meu choro enevoado abrigo
pĂ´s-me a palavra o peito em alaĂşde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigo

Mas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mĂŁo que a seu amigo hesita em dar-se

ele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.

Tradução de Vasco Graça Moura

Comparação

“Eu sou fraca e pequena…”
Tu me disseste um dia.
E em teu lábio sorria
Uma dor tĂŁo serena,

Que em mim se refletia
Amargamente amena,
A encantadora pena
Que em teus olhos fulgia.

Mas esta mágoa, o tê-la
É um engano profundo.
Faze por esquecĂŞ-la:

Dos céus azuis ao fundo
É bem pequena a estrela… e
E no entretanto – Ă© um mundo!

Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece

Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ă“ mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alĂ­gero adormece!

Ă“ ledos olhos, cuja luz parece
TĂŞnue raio de sol! Ă“ gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂ­ssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂşpiter suspira!

Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂŞnus? – É mentira;
Sois de MarĂ­lia, sois dos meus amores.

A Alma Dos Vinte Anos

A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lá dentro mora,
Ria em meus lábios, em meus olhos ria.

Achava-me ao teu lado entĂŁo, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que já fui, tornava agora,
Tudo o que ora nĂŁo sou, me renascia.

Ressenti da paixĂŁo primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos…

Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.

Tudo Passa – I

Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela…

Diz que su’alma tĂ­mida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou… e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.

Ela nĂŁo sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração nĂŁo morre: ele adormece…