Grande Amor
Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trĂŞmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…Selo perpĂ©tuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.
Sonetos sobre Lagos
34 resultadosEu Passava Na Vida Errante E Vago
Eu passava na vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago,Beijava a onda, num soluço mago,
Das moles plumas a brilhante alvura,
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade
Esqueci de mim, de Deus, do mundo ! …Mas ai! Cedo Fugiste ! … da saudade,
Hoje te imploro desse amor tĂŁo fundo
Uma idéia, uma queixa, uma saudade!
Boca
III
Boca viçosa, de perfume a lĂrio,
Da lĂmpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assĂrio.Boca para deleites e delĂrio
Da volĂşpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arcanjos na amplidĂŁo do EmpĂrio,Boca de OfĂ©lia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos…Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tĂłxicos secretos…
Sombra
De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos lĂmpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…De mĂŁos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento nĂŁo baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguĂ©m que dobra a curva duma estrada…
Como uma Voz de Fonte que Cessasse
Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vĂŁos olhares
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tĂ©dio nasceParou… Apareceu já sem disfarce
De mĂşsica longĂnqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…A paisagem longĂnqua sĂł existe
Para haver nela um silĂŞncio em descida
P’ra o mistĂ©rio, silĂŞncio a que a hora assiste…E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…
Horas Rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volĂşpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…Oiço olaias em flor Ă s gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
SĂŁo pedaços de prata p’las estradas…Os meus lábios sĂŁo brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ă“ meu Poeta, o beijo que procuras!
Outonal
Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silĂŞncio…Olha, anoitece!
— Brumas longĂnquas do PaĂs Vago…Veludos a ondear…MistĂ©rio mago…
Encantamento…A hora que nĂŁo esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bĂŞnção dum afago…Outono dos crepĂşsculos doirados,
De pĂşrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…
Avena Pastoral
Harmonia de coxas protetora
do presente esperado como prĂŞmio
antevéspera és, a domadora
dos gestos apressados no proscĂŞniodo palco em que inauguro-te pastora
de ovelha desgarrada,vil boĂŞmio,
peregrino da noite assoladora,
a solar no teu corpo um abstĂŞmiocanto, de partitura tĂŁo antiga,
em que tecidos sons alucinados
sĂŁo sedas de silĂŞncio na cantiga.Uma cantiga em gozo emparelhado.
E tu na flauta tocas pra que eu siga
lambendo o sal no lago desgarrado.
O Chalé
É um chalé luzido e aristocrático,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpático.O sol que vibra em rubro tom prismático,
No resplendor dos luxos principescos,
Dá-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimático.Há um jardim de rosas singulares,
LĂrios joviais e rosas nĂŁo vulgares,
Brancas e azuis e roxas purpĂşreas.E a luz do luar caindo em brilhos vagos,
Na placidez de adormecidos lagos
Abre esquisitas radiações sulfúreas.
Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Imagens Que Passais Pela Retina
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque nĂŁo vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, nĂŁo me levais?Sem vĂłs o que sĂŁo os meus olhos abertos?
– O espelho inĂştil, meus olhos pagĂŁos!
Aridez de sucessivos desertos…Fica sequer, sombra das minhas mĂŁos,
FlexĂŁo casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vĂŁos.
O RelĂłgio
EbĂşrneo Ă© o mostrador: as horas sĂŁo de prata
LĂŞ-se a firma Breguet por baixo do gracioso
Rendilhado ponteiro; a tampa Ă© enorme e chata:
Nela o esmalte produz um quadro delicioso.Repara: eis um salĂŁo: casquilho malicioso
Das festas cortesĂŁs o mimo, a flor, a nata,
Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
Uma fidalga o escuta Ă©bria de amor e gozo.Rasga-se ampla a janela; ao longe o olhar descobre
O correto jardim e o parque extenso e nobre.
As nuvens no alto céu flutuam como espumas.Da paisagem no fundo, em lago transparente,
Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
Um cisne Ă luz do sol estende as nĂveas plumas.
A Minha MĂŁe
Lembra alvuras de cisne sobre um lago
A minha vida imaculada e honesta…
Ouço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nele trago!Do meu orgulho olĂmpico de mago
Só o desdém aos inimigos resta,
Maior que Ă s folhas mortas da floresta,
Que nos meus dedos pálidos esmago.Mas a piedade enche o meu peito, e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios de um perdĂŁo divino…Julguei ser Deus! E choro de cansaço…
Oh, mãe piedosa, embala no regaço
Meu coração exausto de menino!…
Suprema Ironia
NĂŁo digas que nĂŁo sofro – o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lábios muita vez apago…
A dor – Ă© coo a pedra que cai – vai pro fundo
sob a face serena e tranqĂĽila do lago…Um segundo de pura alegria – um segundo
muitas vezes me basta, e já me dou por pago…
Se invejo, invejo aquele que nĂŁo tendo um mundo,
tem mundo para alĂ©m do olhar ardente e vago…Que eu nĂŁo ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento…Eu, nĂŁo! Bem sei que sofro, mas sofrer – que importa ?
Digo aos homens que o mundo Ă© belo, a vida Ă© boa!
E… suprema ironia… a minha voz conforta!